28/02/2012
“Indústria da emergência” cresceu com Geddel na Integração Nacional
Dyelle Menezes
Do Contas Abertas
O número de solicitações para que a Defesa Civil decretasse estado de calamidade pública ou situação de emergência em municípios brasileiros bateu recorde em 2010. Foram emitidos 4.640 requerimentos por 3.418 cidades. A diferença entre os números se dá pelo fato do mesmo município poder solicitar o reconhecimento das tragédias mais de uma vez por ano. Do total de requerimentos 2.765 foram aprovados pelos técnicos da Defesa Civil.
Em 2011, a quantidade de solicitações chegou a 2.775, das quais 1.506 foram atendidas de forma positiva. Neste ano, com as fortes chuvas na região sudeste e a seca que atingiu o sul do país, 1.618 requerimentos para decretar estado de calamidade pública ou situação de emergência já foram encaminhados. (veja tabela).
O crescimento no número de solicitações deste tipo acompanha a execução orçamentária. O ano retrasado, quando R$ 2,3 bilhões foram utilizados, também bateu recorde no desembolso de recursos no antigo programa “resposta aos desastres e reconstrução”, que visava promover o socorro e a assistência às pessoas afetadas por eventos adversos, o restabelecimento das atividades essenciais e a recuperação dos danos causados por desastres, supletivamente ao atendimento dos Estados e municípios. (veja tabela)
Os números comprovam a “indústria da emergência”. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério da Integração Nacional, em várias situações, firmou termos de compromisso antes da emissão do parecer técnico, atestando como e quanto o município deveria receber. Conforme dados do Tribunal, R$ 11,5 milhões a seis prefeituras baianas, em 2009, durante a gestão de Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que ficou no cargo até 2010.
Os auditores do TCU identificaram que nas pastas onde os processos ficaram guardados havia bilhetes de recomendação para que o parecer de análise fosse colocado antes do termo de compromisso, “com data anterior ao mesmo”. Nos mesmos documentos, foram encontradas folhas em branco, à espera do aval da área técnica, que indicavam apenas a finalidade: “parecer de análise”.
A auditoria foi a mesma que confirmou a pequena estrutura da Secretaria de Defesa Civil para avaliação dos decretos de situações risco encaminhados pelos municípios. Como o jornal O Globo revelou este mês, a fragilidade do controle abriu o caminho para a proliferação de casos de desvio de recursos repassado a cidades para reconstruir áreas atingidas por enchentes no país.
Questionado pelo jornal, o ex-ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, atualmente na vice-presidência da Caixa Econômica Federal, afirmou não conhecer o teor da auditoria e negou que tenha liberado recursos sem a devida sustentação da área técnica, por motivos políticos ou partidários, já que os municípios beneficiados eram baianos.
Diante dos fatos, o governo federal deve encaminhar nas próximas semanas ao Congresso Nacional proposta para que os estados retomem a prerrogativa de homologar os pedidos de situação de emergência apresentados pelos municípios, como ocorria até 2010. O objetivo é exatamente conter o descontrole das autorizações de repasses de verbas para municípios que decretaram emergência ou calamidade sem análise técnica adequada para avalizar as transferências.
Como funciona o auxílio federal
Segundo a Defesa Civil, o Poder Executivo federal apoiará, de forma complementar, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em situação de emergência ou estado de calamidade pública, por meio dos mecanismos previstos na Lei 12.340, de dezembro de 2010.
O apoio previsto será prestado aos entes que estiverem reconhecidamente em situação de risco. A aprovação da solicitações se dá mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre.
O requerimento previsto deverá ser realizado diretamente ao Ministério da Integração Nacional, no prazo máximo de dez dias após a ocorrência do desastre, devendo ser instruído com ato do respectivo ente federado que decretou a situação de emergência ou o estado de calamidade pública.
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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
MANIFESTO INTERCLUBES MILITARES
COMPROMISSOS...
"Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte, não haverá discriminação, privilégios ou compadrio. A partir da minha posse, serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política."
No dia 31 de outubro de 2010, após ter confirmada a vitória na disputa presidencial, a Sra Dilma Roussef proferiu um discurso, do qual destacamos o parágrafo acima transcrito. Era uma proposta de conduzir os destinos da nação como uma verdadeira estadista.
Logo no início do seu mandato, os Clubes Militares transcreveram a mensagem que a então candidata enviara aos militares da ativa e da reserva, pensionistas das Forças Armadas e aos associados dos Clubes. Na mensagem a candidata assumia vários compromissos. Ao transcrevê-la, os Clubes lhe davam um voto de confiança, na expectativa de que os cumprisse.
Ao completar o primeiro ano do mandato, paulatinamente vê-se a Presidente afastando-se das premissas por ela mesma estipuladas. Parece que a preocupação em governar para uma parcela da população sobrepuja-se ao desejo de atender aos interesses de todos os brasileiros.
Especificamente na semana próxima passada, e por três dias consecutivos, pode-se exemplificar a assertiva acima citada.
Na quarta-feira, 8 de fevereiro, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos concedeu uma entrevista à repórter Júnia Gama, publicada no dia imediato no jornal Correio Braziliense, na qual mais uma vez asseverava a possibilidade de as partes que se considerassem ofendidas por fatos ocorridos nos governos militares pudessem ingressar com ações na justiça, buscando a responsabilização criminal de agentes repressores, à semelhança ao que ocorre em países vizinhos. Mais uma vez esta autoridade da República sobrepunha sua opinião à recente decisão do STF, instado a opinar sobre a validade da Lei da Anistia. E, a Presidente não veio a público para contradizer a subordinada.
Dois dias depois tomou posse como Ministra da Secretaria de Política para as Mulheres a Sra Eleonora Menicucci. Em seu discurso a Ministra, em presença da Presidente, teceu críticas exarcebadas aos governos militares e, se auto-elogiando, ressaltou o fato de ter lutado pela democracia (sic), ao mesmo tempo em que homenageava os companheiros que tombaram na refrega. A platéia aplaudiu a fala, incluindo a Sra Presidente. Ora, todos sabemos que o grupo ao qual pertenceu a Sra Eleonora conduziu suas ações no sentido de implantar, pela força, uma ditadura, nunca tendo pretendido a democracia.
Para finalizar a semana, o Partido dos Trabalhadores, ao qual a Presidente pertence, celebrou os seus 32 anos de criação. Na ocasião foram divulgadas as Resoluções Políticas tomadas pelo Partido. Foi dado realce ao item que diz que o PT estará empenhado junto com a sociedade no resgate de nossa memória da luta pela democracia (sic) durante o período da ditadura militar. Pode-se afirmar que a assertiva é uma falácia, posto que quando de sua criação o governo já promovera a abertura política, incluindo a possibilidade de fundação de outros partidos políticos, encerrando o bi-partidarismo.
Os Clubes Militares expressam a preocupação com as manifestações de auxiliares da Presidente sem que ela, como a mandatária maior da nação, venha a público expressar desacordo com a posição assumida por eles e pelo partido ao qual é filiada e aguardam com expectativa positiva a postura de Presidente de todos os brasileiros e não de minorias sectárias ou de partidos políticos.
Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2012
V. Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral
Presidente Clube Naval
Gen Ex Renato Cesar Tibau da Costa
Presidente Clube Militar
Ten Brig Carlos de Almeida Baptista
Presidente Clube de Aeronáutica
COMPROMISSOS...
"Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte, não haverá discriminação, privilégios ou compadrio. A partir da minha posse, serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política."
No dia 31 de outubro de 2010, após ter confirmada a vitória na disputa presidencial, a Sra Dilma Roussef proferiu um discurso, do qual destacamos o parágrafo acima transcrito. Era uma proposta de conduzir os destinos da nação como uma verdadeira estadista.
Logo no início do seu mandato, os Clubes Militares transcreveram a mensagem que a então candidata enviara aos militares da ativa e da reserva, pensionistas das Forças Armadas e aos associados dos Clubes. Na mensagem a candidata assumia vários compromissos. Ao transcrevê-la, os Clubes lhe davam um voto de confiança, na expectativa de que os cumprisse.
Ao completar o primeiro ano do mandato, paulatinamente vê-se a Presidente afastando-se das premissas por ela mesma estipuladas. Parece que a preocupação em governar para uma parcela da população sobrepuja-se ao desejo de atender aos interesses de todos os brasileiros.
Especificamente na semana próxima passada, e por três dias consecutivos, pode-se exemplificar a assertiva acima citada.
Na quarta-feira, 8 de fevereiro, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos concedeu uma entrevista à repórter Júnia Gama, publicada no dia imediato no jornal Correio Braziliense, na qual mais uma vez asseverava a possibilidade de as partes que se considerassem ofendidas por fatos ocorridos nos governos militares pudessem ingressar com ações na justiça, buscando a responsabilização criminal de agentes repressores, à semelhança ao que ocorre em países vizinhos. Mais uma vez esta autoridade da República sobrepunha sua opinião à recente decisão do STF, instado a opinar sobre a validade da Lei da Anistia. E, a Presidente não veio a público para contradizer a subordinada.
Dois dias depois tomou posse como Ministra da Secretaria de Política para as Mulheres a Sra Eleonora Menicucci. Em seu discurso a Ministra, em presença da Presidente, teceu críticas exarcebadas aos governos militares e, se auto-elogiando, ressaltou o fato de ter lutado pela democracia (sic), ao mesmo tempo em que homenageava os companheiros que tombaram na refrega. A platéia aplaudiu a fala, incluindo a Sra Presidente. Ora, todos sabemos que o grupo ao qual pertenceu a Sra Eleonora conduziu suas ações no sentido de implantar, pela força, uma ditadura, nunca tendo pretendido a democracia.
Para finalizar a semana, o Partido dos Trabalhadores, ao qual a Presidente pertence, celebrou os seus 32 anos de criação. Na ocasião foram divulgadas as Resoluções Políticas tomadas pelo Partido. Foi dado realce ao item que diz que o PT estará empenhado junto com a sociedade no resgate de nossa memória da luta pela democracia (sic) durante o período da ditadura militar. Pode-se afirmar que a assertiva é uma falácia, posto que quando de sua criação o governo já promovera a abertura política, incluindo a possibilidade de fundação de outros partidos políticos, encerrando o bi-partidarismo.
Os Clubes Militares expressam a preocupação com as manifestações de auxiliares da Presidente sem que ela, como a mandatária maior da nação, venha a público expressar desacordo com a posição assumida por eles e pelo partido ao qual é filiada e aguardam com expectativa positiva a postura de Presidente de todos os brasileiros e não de minorias sectárias ou de partidos políticos.
Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2012
V. Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral
Presidente Clube Naval
Gen Ex Renato Cesar Tibau da Costa
Presidente Clube Militar
Ten Brig Carlos de Almeida Baptista
Presidente Clube de Aeronáutica
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
QUINTA-FEIRA, 16 DE FEVEREIRO DE 2012
Banalizamos
Qualquer brasileiro minimamente informado percebe que o percentual do montante de impostos empregados em investimentos públicos é incipiente; que o sistema de cotas é injusto tanto ou mais quanto o antigo sistema que pregava igualdade de condições entre os concorrentes, sendo o segundo injusto pela falta de isonomia antes do pleito e não na seleção, como o atual; que não se faz educação de qualidade ensinando crianças a baterem tambores ou fazendo-as acreditar que todos podem ser campeões olímpicos, adiando uma frustração inevitável, ao invés de ensinar-lhes ciências humanas, exatas e biológicas, cultura de verdade, além da cultura da bunda, dos brilhos, e atualidades sob uma visão analítica e não simplesmente crítica sob uma óptica esquerdista; que nosso sistema público de saúde tem o modelo mais includente do mundo, mas um dos mais mal administrados com descuidos, fraudes, corrupção de gestores, profissionais, fornecedores e fiscais; que pagamos taxas e impostos escorchantes enquanto recebemos serviços vergonhosos; que nossa classe política é inepta e desprovida de empatia com as necessidades populares; que nossos ministros são escolhidos pelo tamanho do seu curral eleitoral e não por sua competência em gerenciar as pastas para as pastas para as quais são selecionados; que os gastos públicos são imorais diante do que têm para gastar na sua sobrevivência os trabalhadores mortais; que os líderes esquerdistas dizem-se trabalhadores, mas recebem favores, pensões sem necessidade e fazem fortunas inexplicáveis e não declaradas para o fisco ao mesmo tempo que estão lutando pela redução das desigualdades sociais; que as quase quatro dezenas de partidos políticos não passam de quase quarenta balcões de negócios nem sempre, ou quase nunca, legais; que nossos dirigentes atuais vêm de grupelhos de assaltantes, assassinos, terroristas, abortistas, sindicalistas que não fazem qualquer trabalho produtivo; que a mentira repetida por eles são mais respeitadas do que a Constituição Federal; que as bolsas sociais nada mais são do que programas assistencialistas de compra de simpatia e de votos sem a preocupação por viciar a parte preguiçosa e despreparada da sociedade em esperar que o Estado e o vizinho resolvam seus problemas, da alimentação à moradia, da educação dos filhos à cesta de Natal, do transporte à busca de emprego, da falta de ideologia à negação das instituições seculares; que as estradas, telefônicas, presídios e aeroportos privados oferecem condições muito superiores de serviço e organização a seus usuários do que os mantidos pelo estado estelionatário; que a política em prol das minorias, mesmo as que não são minoria de fato, como mulheres, negros e pobres, são parte de uma tática gramsciana calcada em métodos absolutistas de obrigarem uma nação a ficar à mercê das convicções ideológicas de uma minoria esquerdista e mal intencionada que tem o cheque e o queijo nas mãos; que a Previdência Social não pode ser deficitária como os governos dizem porque esses mesmos governos nunca fizeram um balanço real da relação entre arrecadação e gastos em pensões, seguro desemprego e outros serviços sociais e que se o déficit existe de fato é pela má gestão dos recursos; que as avaliações escolares feitas pelo MEC, como Prova Brasil e ENEM, com a baixíssima exigência de conhecimento dos conteúdos curriculares são farsas com o intuito de maquiar as estatísticas de rendimento dos estudantes de escolas públicas, melhorando nossa falsa imagem para organismos internacionais, mesmo sabendo que quando as avaliações são sérias nos colocamos no final da fila entre países; que se a multidão de miseráveis promovida pelos dois últimos governos à condição de classe média realmente existisse na quantidade anunciada, os números de crimes, de déficit de moradias e de famintos pelas ruas teriam diminuído e não crescido de forma exponencial nos últimos anos...
Mesmo sabendo de tudo isso e de muitas outras mentiras oficiais, nós, cidadãos minimamente informados, continuamos moendo e remoendo tudo isso entre nós e, assim como os tucanos e democratas, não conseguimos transmitir as verdades sobre esses dados para os eleitores da corja vermelha e os preguiçosos mentais e os sem acesso à informação dolorosa e real continuam ouvindo apenas os “capitães” e “comandantes” – para quem odeias as forças armadas, os vermelhinhos adoram dar-se esses títulos militares – de estrelinhas contam, enquanto se fantasiam de salvadores da pátria, do planeta, da humanidade e da ética.
©Marcos Pontes
Banalizamos
Qualquer brasileiro minimamente informado percebe que o percentual do montante de impostos empregados em investimentos públicos é incipiente; que o sistema de cotas é injusto tanto ou mais quanto o antigo sistema que pregava igualdade de condições entre os concorrentes, sendo o segundo injusto pela falta de isonomia antes do pleito e não na seleção, como o atual; que não se faz educação de qualidade ensinando crianças a baterem tambores ou fazendo-as acreditar que todos podem ser campeões olímpicos, adiando uma frustração inevitável, ao invés de ensinar-lhes ciências humanas, exatas e biológicas, cultura de verdade, além da cultura da bunda, dos brilhos, e atualidades sob uma visão analítica e não simplesmente crítica sob uma óptica esquerdista; que nosso sistema público de saúde tem o modelo mais includente do mundo, mas um dos mais mal administrados com descuidos, fraudes, corrupção de gestores, profissionais, fornecedores e fiscais; que pagamos taxas e impostos escorchantes enquanto recebemos serviços vergonhosos; que nossa classe política é inepta e desprovida de empatia com as necessidades populares; que nossos ministros são escolhidos pelo tamanho do seu curral eleitoral e não por sua competência em gerenciar as pastas para as pastas para as quais são selecionados; que os gastos públicos são imorais diante do que têm para gastar na sua sobrevivência os trabalhadores mortais; que os líderes esquerdistas dizem-se trabalhadores, mas recebem favores, pensões sem necessidade e fazem fortunas inexplicáveis e não declaradas para o fisco ao mesmo tempo que estão lutando pela redução das desigualdades sociais; que as quase quatro dezenas de partidos políticos não passam de quase quarenta balcões de negócios nem sempre, ou quase nunca, legais; que nossos dirigentes atuais vêm de grupelhos de assaltantes, assassinos, terroristas, abortistas, sindicalistas que não fazem qualquer trabalho produtivo; que a mentira repetida por eles são mais respeitadas do que a Constituição Federal; que as bolsas sociais nada mais são do que programas assistencialistas de compra de simpatia e de votos sem a preocupação por viciar a parte preguiçosa e despreparada da sociedade em esperar que o Estado e o vizinho resolvam seus problemas, da alimentação à moradia, da educação dos filhos à cesta de Natal, do transporte à busca de emprego, da falta de ideologia à negação das instituições seculares; que as estradas, telefônicas, presídios e aeroportos privados oferecem condições muito superiores de serviço e organização a seus usuários do que os mantidos pelo estado estelionatário; que a política em prol das minorias, mesmo as que não são minoria de fato, como mulheres, negros e pobres, são parte de uma tática gramsciana calcada em métodos absolutistas de obrigarem uma nação a ficar à mercê das convicções ideológicas de uma minoria esquerdista e mal intencionada que tem o cheque e o queijo nas mãos; que a Previdência Social não pode ser deficitária como os governos dizem porque esses mesmos governos nunca fizeram um balanço real da relação entre arrecadação e gastos em pensões, seguro desemprego e outros serviços sociais e que se o déficit existe de fato é pela má gestão dos recursos; que as avaliações escolares feitas pelo MEC, como Prova Brasil e ENEM, com a baixíssima exigência de conhecimento dos conteúdos curriculares são farsas com o intuito de maquiar as estatísticas de rendimento dos estudantes de escolas públicas, melhorando nossa falsa imagem para organismos internacionais, mesmo sabendo que quando as avaliações são sérias nos colocamos no final da fila entre países; que se a multidão de miseráveis promovida pelos dois últimos governos à condição de classe média realmente existisse na quantidade anunciada, os números de crimes, de déficit de moradias e de famintos pelas ruas teriam diminuído e não crescido de forma exponencial nos últimos anos...
Mesmo sabendo de tudo isso e de muitas outras mentiras oficiais, nós, cidadãos minimamente informados, continuamos moendo e remoendo tudo isso entre nós e, assim como os tucanos e democratas, não conseguimos transmitir as verdades sobre esses dados para os eleitores da corja vermelha e os preguiçosos mentais e os sem acesso à informação dolorosa e real continuam ouvindo apenas os “capitães” e “comandantes” – para quem odeias as forças armadas, os vermelhinhos adoram dar-se esses títulos militares – de estrelinhas contam, enquanto se fantasiam de salvadores da pátria, do planeta, da humanidade e da ética.
©Marcos Pontes
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
MINISTRA DAS MULHERES? QUAIS MULHERES?
Entrevista com Eleonora Menicucci de Oliveira. Entrevista em 14/10/2004, feita por Joana Maria Pedro em Cárceres, MT.
Transcrita por Joana Borges
Conferida por Luciana Fornazari Klanovicz
Mini-Biografia
Eleonora Menicucci de Oliveira, nasceu em Lavras, Minas Gerais, em 1944, é Professora de Ciências
Humanas em Saúde da Universidade Federal de São Paulo, atuou em grupo clandestino durante a
ditadura sendo militante da POLOP e da POC. Reside em São Paulo.
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974), mestrado
em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (1983) e doutorado em Ciência Política pela
Universidade de São Paulo (1990) e Livre Docência em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde
Pública da USP. Atualmente é servidor publico da Universidade Federal de São Paulo lotada como
docente no Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP. Tem experiência na área de
Sociologia, com ênfase em Sociologia da Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: direitos
humanos, direitos reprodutivos e sexuais, autonomia, aborto-escolha, violência doméstica e sexual,
políticas públicas, avaliação qualitativa e autodeterminação.
Entrevista com Eleonora Menicucci de Oliveira.
Joana: Hoje é dia 14 de outubro de 2004 e nós estamos em Cárceres no evento que se chama Corpo,
Sexualidade e Gênero, ou qualquer coisa nessa direção, promovido pela Universidade Estadual de
Cárceres, e eu estou aqui conversando com a Eleonora Menicucci. E eu gostaria que tu começasses
falando de onde é que tu nasceste, porque o que eu quero mesmo é que tu me contes quando é que tu
achaste que tu eras feminista, que é essa a minha discussão, a identificação com o feminismo.
Eleonora: Uhum.
Joana: Tá certo?
Eleonora: Entendi.
Joana: Mas eu queria que tu falasses primeiro com que nome tu nasceste, Eleonora Menicucci mesmo?
Eleonora: Eleonora Menicucci de Oliveira. Eu nasci em Lavras, interior de Minas, sul de Minas, no
dia 21 de agosto de 1944, no ano do final da Guerra, da Segunda Guerra. Eu sou a segunda de seis
filhos, cinco mulheres e um homem,(uma morreu ainda pequena) e fui basicamente educada só por
mãe porque meu pai morreu quando eu tinha onze anos.
Joana: Há é?
Eleonora: Com quarenta e quatro anos e minha mãe tinha trinta e cinco.
Joana: Tu eras a mais nova então?
Eleonora: A segunda.
Joana: A segunda.
Eleonora: A segunda de cinco filhos. Sendo quatro mulheres e o mais novo homem.
Joana: Tá.
Eleonora: Eu atualmente resido em São Paulo na rua João Moura, 476 apartamento 51 em Pinheiros.
Eu atualmente sou socióloga sanitarista, professora livre docente do Departamento de Medicina
Preventiva, dedicação exclusiva na Universidade Federal de São Paulo ligada à disciplina de Ciências
Humanas em Saúde. 2
Joana: Faculdade de Medicina, no caso?
Eleonora: Antiga Escola Paulista de Medicina, hoje chama Universidade Federal de São Paulo. E
atualmente eu também estou exercendo a vice pró-reitoria de pesquisa na minha universidade.
Joana: É?
Eleonora: É, recentíssimo, há dois meses. Eu sempre fui professora. Lecionei na Universidade Federal
da Paraíba.
Joana: Tu começasses no primário, nada?
Eleonora: Eu fiz o colegial, eu fiz o curso normal até então...
Joana: Há é, fizeste o curso normal?
Eleonora: É, em Belo Horizonte. E do curso normal...não, em Lavras. E me formei em 1963 como
professora primária, imediatamente depois eu fui pra Belo Horizonte e aí me... Imediatamente eu fui
lecionar num colégio de primeiro e segundo grau particular e entrei para o partido comunista.
Joana: Isso era que ano mais ou menos?
Eleonora: 1964, no ano do Golpe.
Joana: 64.
Eleonora: 64, no ano do Golpe. Ai entrei pra universidade neste mesmo ano.
Joana: Tá. Fosse fazer faculdade.
Eleonora: Fui fazer faculdade.
Joana: Sociologia, no caso?
Eleonora: Não, eu fiz Pedagogia. É porque...aí um mês depois o partido achou que eu deveria pedir
transferência para Ciências Sociais, aí teve um novo vestibular...
Joana: Tá.
Eleonora: ...no mesmo ano em abril eu entrei para Ciências Sociais, chamada Ciências Sociais, né? E
lecionava, fiz concurso pra ser professora de escola pública...
Joana: Há tu fosse professora de quinta à oitava série.
Eleonora: em Belo Horizonte, fui professora primária de quinta à oitava série numa favela que
chamava Morro do Papagaio, em Belo Horizonte. E neste ano em 65 também por decisões partidárias,
depois do Golpe, eu também fiz vestibular pra Medicina e passei e cursei quatro anos de Medicina
junto com Ciências Sociais.
Joana: Olha só!
Eleonora: Por isso que eu estou na Escola Paulista de Medicina..
Joana: Certo.
Eleonora: Tem algo do retorno, né?
Joana: Sim, sim.
Eleonora: E daí é...eu tenho...eu sou separada, tenho dois filhos, uma moça com 35 anos que tem uma
filhinha de 2 anos, e um rapaz de 29 anos, né?
Joana: Jóia.
Eleonora: Ela mora em Nova York, é cineasta e ele é... ele mora em São Paulo tem uma fábrica de
fazer prancha...
Joana: uhum.
Eleonora:... de surf, né?
Joana: uhum.
Eleonora: E...bem, aí você me pergunta, tá aqui a primeira questão: no período de 64 a 85 se eu me
identifiquei com o feminismo?
Joana: Sim. A partir de quando você achou que era feminista?
Eleonora: Pois é Joana, eu me descobri feminista na cadeia...
Joana: Tá.
Eleonora: ... em 1971, em São Paulo ? DOI-CODI porque...só pra fazer um...
Joana: Você já era casada nessa época?
Eleonora: Já. Só pra fazer um gancho, eu entrei pro Partido Comunista depois rachei com o Partido
Comunista, fui pra luta armada e... 3
Joana: Você fez parte de qual organização?
Eleonora: Eu fiz parte da dissidência do Partido Comunista, depois da POLOP, e depois do POC,
Partido Operário Comunista.
Joana: Certo.
Eleonora: E em 67 eu já clandestina em Belo Horizonte eu casei com um companheiro, de organização
quando eu digo, e casei porque eu precisava...eu queria mudar de nome porque eu já estava muito
queimada.
Joana: uhum.
Então eu passei a me chamar Eleonora de Oliveira Soares, né? E neste momento em 67 até 68, final de
67 início de 68, ainda estava em Belo Horizonte, quando foi julho eu entrei pra clandestinidade em 68
fui pra cidade industrial, e no final de 68 nós, quando a situação da luta contra a ditadura apertou
muito, nós fomos para São Paulo já clandestinos, e eu fui grávida.
Joana: Tu e teu marido?
Eleonora: Eu e ele. Os dois nas mesmas condições. E eu fui grávida é...e eu fiquei 69 inteira...inteiro
clandestina grávida fazendo ações...
Joana: uhum.
Eleonora: ...em São Paulo. A minha filha nasceu em 27 de setembro de 69, próximo ao seqüestro do
embaixador americano e do homem ter ido à Lua, tá vendo?
Joana: uhum.
Eleonora: ...do Yuri Gagarin. Eu tive clandestinamente essa filha na maternidade de São Paulo.
Joana: Com outro nome, é isso?
Eleonora: Eu tive com outro nome, ela tinha outro nome.
Joana: Certo.
Eleonora: E o meu companheiro, que era o meu ex-marido, ele só pode vê-la depois que eu sai da
maternidade.
Joana: Certo.
Eleonora: né?
Joana: Por que vocês estavam sendo procurados, evidente?
Eleonora: Procurados por três processos.
Joana: uhum.
Eleonora: Já morávamos na cidade...no ABC com nome falso, com tudo falso. E ela nasce de cesária,
em 69. E nós ainda ficamos, ai era no POC, nós ficamos clandestinos até julho de 71. Sendo que em
maio de 71 quando o POC, começou a queda do POC na OBAN em São Paulo, a organização decidiu
é...que a gente deveria, eu era da direção e eu também participei dessa decisão, que deveríamos sair do
país.
Joana: Certo.
Eleonora: Eu saí até o Chile e ele ficou em São Paulo e eu voltei com a menina um mês depois.
Joana: Certo.
Eleonora: Porque a minha avaliação era que eu tinha que fazer...
Joana:...a luta armada aqui.
Eleonora:...a luta armada aqui. E um detalhe importante nessa trajetória é que seis meses depois dessa
minha filha ter nascido eu fiquei grávida outra vez. Ai junto com a organização nós decidimos, a
organização, nós, que eu deveria fazer aborto porque não era possível...
Joana: Certo.
Eleonora: ...na situação ter mais de uma criança, né? E eu não segurava também. Aí foi o segundo
aborto que eu fiz.
Joana: uhum.
Eleonora: Tinha um cara, Isac Abramovicht, um ano depois ele vai ter...ele vai ser uma figura de
destaque na minha vida.
Joana: Esse cara quem? 4
Eleonora: O médico que me fez a primeira consulta de pré-natal na clandestinidade , indicado por uma
companheira.
Joana: ...que fez teu aborto.
Eleonora: Não, eu fiz aborto em outra clínica de Pinheiros, também de um médico militar, vim a saber
depois. Eu vou presa dia 11 de julho de 71.
Joana: uhum.Espera, tu tinhas ido pro Chile...
Eleonora: Pro Chile e voltei.
Joana: e voltaste? E teu marido ficou lá?
Eleonora: Ficou em São Paulo. Eu fui sozinha com minha filha.
Joana: Tu fosse sozinha. Ai tu voltasse...
Eleonora: Com o grupo do POC.
Joana: Tá. Tu voltasses um mês depois...
Eleonora: Um mês depois...
Joana: E aí fosse presa em seguida?
Eleonora: Fui presa três meses depois.
Joana: Vocês estavam certos em querer sair.
Eleonora: Sim. Completamente certos de querer ficar no Brasil.
Joana: uhum.
Eleonora: Aí eu fui presa em 1971 dia 11 de julho com ela...
Joana: Tavas com ela.
Eleonora: Ela tinha um ano e dez meses.
Joana: Fosse presa como? Em casa?
Eleonora: Eu fui presa na casa de uns tios do meu ex-marido porque nesse mesmo dia ele tinha ido pra
Uberaba clandestino pro velório da mãe dele. E eu fui deixar a Maria na casa desses tios. Aí quando
nós chegamos a OBAN já estava lá.
Joana: Tsiiii.
Eleonora: E aí eram dezessete homens armados pra me prender. E isso era uma hora da tarde. Às seis
horas eu fui pra OBAN, e eu me separei dessa minha filha dizendo que ia para o dentista bruscamente.
Joana: E ela tava com o que?
Eleonora: Um ano e dez meses.
Joana: Um ano e dez meses.
Eleonora: E aí no processo foi todo mundo preso. Meu ex-marido foi preso no enterro. E durante o
processo de tortura, que durou 72 dias na OBAN, de todas as formas de tortura a minha filha com um
ano e dez meses foi torturada na minha frente tomando choque. Então este foi o episódio. O que fez o
pré-natal e poderia ter feito o meu aborto era médico da OBAN – o torturador, ele ainda hoje tem uma
clínica de aborto em São Paulo.
Joana: Barbaridade.
Eleonora: E ele que me...e ele que nos dava a injeção pra gente voltar da tortura. Então é esta figura
hoje que o CRM está sempre...tá caçando, o CRM e eu tenho ido no CRM várias vezes e na Justiça
depor contra ele na Comissão dos Mortos e Desaparecidos. É aí eu fiquei, minha filha foi morar pra
com a minha mãe, e eles não torturaram a minha filha na frente do meu ex-marido.
Joana: Tá. Foi só na tu frente.
Eleonora: Só na minha frente. E isso foi o momento decisivo pra eu descobrir a importância que a
maternidade tinha pra mulher e a importância que qualquer instância social de poder...
Joana: uhum.
Eleonora:... fazia uso do corpo da mulher e da maternidade, né? Isso me fez a pensar... me colocou a
pensar e refletir muito no sentido de que qual era a relação do centralismo democrático, da esquerda
com a questão da mulher. Por que eu fui me descobrir feminista na tortura?
Joana: uhum. E tu percebestes a diferença. 5
Eleonora: Eu percebi absolutamente a diferença, e não só a diferença na tortura, porque a tortura de
homens e mulheres ela foi completamente diferente, tinha o uso do corpo da mulher o que não tinha o
uso do corpo do homem.
Joana: uhum.
Eleonora: Tinha o uso da suposta fragilidade materna.
Joana: uhum.
Eleonora: Né? E em detrimento da suposta força de virilidade masculina...do pai.
Joana: uhum.
Eleonora: E também ao repensar toda a minha trajetória de esquerda eu pude perceber as relações de
poder muito forte de gênero na esquerda.
Joana: uhum.
Eleonora: Então essas duas coisas foram fundamentais pra eu me tornar feminista. E evidentemente
que o meu encontro com o feminismo ele nasce muito com uma transversalidade da questão de classe
social.
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Porque eu vim desse lugar.
Joana: Certo. Tu estavas entrando por questão de classe.
Eleonora: Eu vim desse lugar.
Joana: uhum.
Eleonora: E...
Joana: Mas eu queria saber mais, por favor.
Eleonora: Pode continuar.
Joana: Tu me falaste que tu começasses também a observar a questão da mulher, das relações no
interior da tua própria organização, das organizações das quais tu participastes, além da questão dos
órgãos de repressão havia também. Tu poderias, porque há pouco tu me contaste que a tua filha foi
torturada na tua frente, e que também usaram contigo uma tortura diferente da do teu marido.
Eleonora: Sim, sim.
Joana: E com relação ao fato de...
Eleonora: Só ao fato dela ter sido torturada só na minha frente e não na dele...
Joana: e não na dele... é...
Eleonora: ... já é... tem um significado.
Joana: Já. E com relação às organizações das quais tu participavas?
Leonota: Há... primeiro que as mulheres dificilmente chegavam a um cargo de poder...
Joana: Mas tu eras a chefe?
Eleonora: Eu era. Fui uma das poucas. Por que? Eu me travesti de masculino...
Joana: É? Como era?
Eleonora: Eu tinha atitudes masculinas, eu tinha atitudes...Quais são as atitudes masculinas?
Determinar entre... simbolicamente e a representação do masculino...
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Era decidida, determinada, forte, sabia atirar...
Joana: uhum.
Eleonora: Entendeu?
Joana: Entendi.
Eleonora: Sendo que muitas mulheres sabiam isso tudo.
Joana: Certo.
Eleonora: Transava com vários homens.
Joana: Certo.
Eleonora: Essa questão do desejo e do prazer sempre foi uma coisa muito libertária pra mim, e por isso
eu fui muito questionada dentro da esquerda.
Joana: É?
Eleonora: É. 6
Joana: Dentro do mesmo grupo do qual tu eras a líder?
Eleonora: Sim. Porque o próprio... por questões de segurança eu só poderia ter relação sexual com os
companheiros da minha organização.
Joana: Certo.
Eleonora: Num determinado momento sim, mas na história do movimento estudantil também já existia
isso.
Joana: Certo. Eu acho que tem alguém tocando a porta. (Interrupção)
Joana: Então, nós estávamos na organização. Tu estavas dizendo que tu sentiste isso a partir do fato de
que tu observasses que as mulheres nunca ocupavam ou dificilmente ocupavam...
Eleonora: Em sua maioria não ocupavam um cargo de direção.
Joana:... e também a questão da transa.
Eleonora: A questão da transa e a outra questão, por exemplo...
Joana: Mas, estavas me contando que para...por questões de segurança só transava no interior do
grupo.
Eleonora: Isso muito, muito recente, muito próximo à prisão.
Joana: Certo.
Eleonora: Porque ao longo do movimento estudantil...
Joana: uhum.
Eleonora:... eu transava com todos...
Joana: Sim.
Eleonora:... independente da minha organização.
Joana: Certo.
Eleonora: À medida que a situação de repressão foi ficando cada vez mais forte...
Joana:... uhum.
Eleonora:... aí, evidentemente, que eu mesma tinha os meus critérios...
Joana. Certo, de seleção de parceiros.
Eleonora:...de seleção de parceiros daqueles que estavam na mesma organização que eu.
Joana: Tá.
Eleonora: Mas existia uma regra.
Joana: Que regra era essa?
Eleonora: Que você só podia ter relação sexual entre as pessoas da sua célula.
Joana: Tá. E os homens, acontecia isso também? Ou era só com as mulheres?
Eleonora: Há, era só com as mulheres.
Joana: Porque os homens transavam com outras.
Eleonora: Transavam, transavam, transavam, transavam. E a outra coisa que era muito marcante na
esquerda... na clandestinidade na esquerda, se por um lado a esquerda, veja bem eu não tenho a menor
dúvida disso, nos liberou...
Joana: uhum.
Eleonora:... nos colocou um horizonte de vida, nos liberou
Joana: uhum.
Eleonora:... do ponto de vista político, sexual, de mentalidade com um projeto de sociedade, isso gera
um combate muito forte entre família nuclear e a esquerda. Militar na esquerda tinha uma questão
muito... o centralismo democrático era muito forte.
Joana: Tá.
Eleonora: Então a sua opinião... a sua percepção, os seus sentimentos não poderiam ser extravasados.
Joana: uhum.
Eleonora: Os seus medos, suas dores, suas saudades.
Joana: Certo.
Eleonora: Não poderiam. E as mulheres, eu digo isso muito, para serem aceitas e ascenderem cargos
de direção elas tinham que ter atitudes muito consideradas pela esquerda que os homens é que tinham.
Joana: Certo. Certo 7
Eleonora: E ao longo do processo da esquerda, e ao longo do processo de cadeia, porque eu fiquei três
anos e oito meses presa.
Joana: E o teu marido?
Eleonora: Também ficou quatro.
Joana: uhum.
Eleonora: Na cadeia que as... foram se desmanchando as organizações e a convivência se tornou mais
íntima entre nós de outras organizações? Ficou muito claro a questão da relação com as mulheres.
Joana: Certo.
Eleonora: Era uma relação de poder.
Joana: uhum.
Eleonora: Agora nós ocupamos cargos, mas a maioria de mulheres que era aceita, transvestia-se de
masculina.
Joana: Certo.
Eleonora: Ela era, você podia dizer, que era um reflexo das relações de poder da sociedade, mas essa
questão não se colocava pra nós, hoje é uma leitura que eu faço...
Joana: uhum
Eleonora:... bem pós pós pós pós...
Joana: uhum. Uhum.
Eleonora:... pós- o período....
Joana: Certo.
Eleonora:... não pós-modernidade, pós- o período.
Joana: Pós- o período. Entendo.
Eleonora: Pós- o período. Então nesse sentido as únicas mulheres que eram direção da minha
organização era tres.
Joana: Bom começo.
Eleonora: Todos masculinos.
Joana: Certo.
Eleonora: Todos homens.
Joana: Eu quero voltar a tua filha. Eles torturaram ela na tua frente, mas a tua família não a recuperou?
Eleonora: A minha filha... a minha família a recuperou após dez dias.
Joana: Dez dias. Então ela ficou contigo dez dias.
Eleonora: Ela não ficou comigo, ela ficou no exército e eu fiquei no DOI-CODI.
Joana: Certo.
Eleonora: Eu não sei com quem ela ficou.
Joana: Certo.
Eleonora: Hoje sei.
Joana: Certo.
Eleonora: Que a irmã do meu ex-marido ficava indo muito lá.
Joana: Certo.
Eleonora: Isso me transmitiram.
Joana: uhum
Eleonora: Depois ela foi recuperada pela minha mãe. Ela foi criada pela minha mãe esses...
Joana: Esses três anos e pouco que tu ficaste lá.
Eleonora: É. Ela ficou até os cinco anos de idade ela ficou com a minha mãe, cinco e pouco. Depois eu
sai da cadeia em 74, fui pra Belo Horizonte, morei com a minha mãe uns meses e depois meu exmarido saiu e nós começamos um processo de recuperação dela.
Joana: Certo.
Eleonora: Que foi ...
Joana: Que não deve ter sido fácil, não é?
Eleonora: Isso foi muito doloroso porque o sentimento de perda dela era absurdo...
Joana: Porque ela não reconhecia vocês? 8
Eleonora: Não, ela não nos reconhecia como pai e mãe nem como pessoas..né?...
Joana: Em suas relações.
Eleonora: Em minhas relações. E depois imediatamente eu quis ter outro filho...
Joana: uhum.
Eleonora:... e muito no sentido de pra provar para os torturadores, mesmo que fosse simbolicamente,
que o que eles tinham feito comigo não tinha me tirado a possibilidade de reproduzir e de ter uma
escolha sobre meu próprio corpo...
Joana: uhum.
Eleonora:... então eu tive mais um filho e logo que ele nasceu também de cesária eu me laqueei.
Joana: Certo.
Eleonora: então...eu tinha...eu fui presa com 24 para 25 mais ou menos...
Joana: Nossa senhora.
Eleonora:...e sai com 30.
Joana: Certo.
Eleonora:... assim, da história toda e com 30 para 31 tive o meu segundo filho e fiz a laqueadura de
trompas...
Joana: Certo.
Eleonora:... já em Belo Horizonte.
Joana: E tu continuaste com o teu marido mais tempo?
Eleonora: Não.Ai quando esse meu filho Gustavo nasceu, a menina chama Maria, eu fiquei mais um
ano...
Joana: uhum.
Eleonora:... e nós nos separamos.
Joana: uhum.
Eleonora: E... ao longo da cadeia e depois da readapta...da reabilitação (risos), da resociabilização no
mundo social nós tivemos várias crises, porque é muito difícil ser casal que vai preso junto, que sofre
tudo junto, que vê as forças e as fragilidades um do outro, e de todo um projeto que se desmoronou
continuar junto.
Joana: Imagino.
Eleonora: Muito difícil, muito difícil. Hoje eu sou muito amiga dele. Nós temos uma relação muito
boa, mas é uma relação em que eu criei os filhos.
Joana: Entendi.
Eleonora: É uma relação muito de ele aparece.
Joana: Certo. Como na maioria dos casos.
Eleonora: Na maioria, ele aparece. E os meus filhos tiveram que depois de adultos criar uma relação
com este pai que era um pai ausente no sentido da manutenção.
Joana: Certo.
Eleonora: Do prover.
Joana: E então, tu saísses da cadeia em 74.
Eleonora: Certo.
Joana: Tu tiveste algum contato com o feminismo dentro da cadeia, com leituras feministas...
Eleonora: Não.
Joana:... ou depois?
Eleonora: Não, não. Ao longo da cadeia eu tive... Durante a cadeia? Eu tive muitas reflexões com as
minhas companheiras de cadeia...
Joana: Tá.
Eleonora:... uma delas é a Dilma Roussef (atual ministra de Minas Energia)
Joana: uhum.
Eleonora:... que é Ministra das Minas e Energia, e hoje outras que são do PSDB, mas todas feministas,
se tornaram feministas...
Joana: Certo, dentro da cadeia elas estavam? 9
Eleonora: Dentro da cadeia porque nós começamos...
Joana: Fizeram uma espécie de grupo de consciência?
Eleonora: Grupo de reflexão lá dentro...
Joana: Grupo de reflexão.
Eleonora:... por que fomos nós que estamos...
Joana: uhum.
Eleonora:... que fizemos, voltaríamos a fazer sim, mas e o nosso corpo e a nossa sexualidade.
Joana: uhum.
Eleonora: Entendeu?
Joana: E antes disso tu nunca tinhas participado de uma coisa dessa, um grupo de reflexão?
Eleonora: Nunca, nunca, nunca, nunca.
Joana: E tinhas lido em algum momento antes algumas das obras?
Eleonora: Não. Nenhuma, nenhuma. Eu li pela primeira vez em 75...
Joana: Certo. Já estavas fora da cadeia um ano.
Eleonora: Porque eu já saí...é...eu já saí em 74 eu saí em outubro...
Joana: Certo.
Eleonora:... no dia 12, Dia da Criança, eu saí já bem claro que eu era feminista.
Joana: Certo.
Eleonora: E logo que eu saí da cadeia, eu em Belo Horizonte eu fui procurar um grupo de mulheres.
Joana: Esses grupos de consciência?
Eleonora: É, só que era um grupo de lésbicas...
Joana: Certo.
Eleonora:... e eu não sabia. Era um grupo de pessoas amigas minhas...
Joana: uhum.
Eleonora: e que era...era o único grupo feminista que tinha lá.
Joana: Que tinha lá. Uhum.
Eleonora: E eu de cara fui maravilhosamente bem acolhida, e eu me senti muito bem
Joana: Certo.
Eleonora: Me senti muito bem. E então eu recuperando...é...no processo de recuperação minha póscadeia...
Joana: uhum.
Eleonora: Porque eu voltei a estudar!
Joana: Ah, legal!
Eleonora: Eu parei de estudar em 68.
Joana: uhum.
Eleonora: Eu parei no quarto ano de Medicina e no quarto de Ciências Sociais.
Joana: Fosse concluir?
Eleonora: Fui, aí eu voltei pra concluir...
Joana: Certo.
Eleonora:...na UFMG, e optei por acabar Sociologia.
Joana: Sociologia.
Eleonora: Porque a Medicina estava um caos...um horror.. eu estava questionando muito e o que eu
havia passado na cadeia, me afastou mito da medicina, do cuidado, etc,......
Joana: uhum.
Eleonora:... porque durante a cadeia, eu pós-tortura eu fui...eu fiquei sem andar muitos... uns dois anos
e fui fazer...é...
Joana: Tu andavas de cadeira de roda ou de muleta?
Eleonora: De cadeira de roda e de muleta.
Joana: Nossa.
Eleonora: É. E fui... eu tratava no Hospital das Clínicas, e o Hospital das Clínicas de São Paulo estava
sob intervenção. 10
Joana: uhum.
Eleonora: E eu...eles decidiram que eu seria operada da coluna. E aí um ex-companheiro de cadeia que
tinha saído, que era médico, descobriu que eu ia ser...
Joana: Operada.
Eleonora:... operada e impediu a cirurgia.
Joana: uhum.
Eleonora: Eu já estava anestesiada.
Joana: Báhhh.
Eleonora: Porque eu não tinha hérnia de disco e eles diziam que eu tinha. Eles iam me aleijar...
Joana: Claro.
Eleonora:...e me tirou. Então isso mexeu muito comigo...
Joana: Certo.
Eleonora:... do ponto de vista de profissão...
Joana: Imagino.
Eleonora: O quê que eu vou fazer com a Medicina?
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Ai que terminei Sociologia, e quando eu fui terminar Sociologia os meus calouros de
Ciências Sociais eram os meus professores.
Joana: Ah!
Eleonora: Então foi muito legal, muito bacana, porque eles... primeiro que eles tinham o maior orgulho
de serem os meus professores...
Joana: Certo.
Eleonora:...e eu de estar lá terminando.
Joana: Sentiste entre amigos, no caso?
Eleonora: Entre amigos e tudo. E aí fiquei em Belo Horizonte, terminei, tive meu segundo filho.
Joana: uhum.
Eleonora: E não quis imediatamente me integrar a nenhum grupo de esquerda que tinha...
Joana: Tá.
Eleonora:...como eu não quis até agora.
Joana: Mas te integrasse nesse grupo...
Eleonora: De mulheres.
Joana:...de mulheres?
Eleonora: Não, aí começa a minha trajetória...
Joana: Certo.
Eleonora:...feminista.
Joana: Tu te lembras quando foi que tu foste nesse grupo?
Eleonora: Lembro, foi maio de 75. Aí eu tive...
Joana: 75. Bem no Ano Internacional da Mulher.
Eleonora: É. Aí eu tive o contato com “A Dialética do Sexo” da Sulamita Firestone.
Joana: Era isso que eu queria ouvir.
Eleonora: Me enlouqueceu!
Joana: Como foi que você leu? Você teve o livro na mão? É isso?
Eleonora: Elas me...
Joana: Elas te emprestaram?
Eleonora:... me emprestaram o livro, e eu sai louca e fui para comprar.
Joana: Foste comprar.
Eleonora: E aí elas dizem “Não, compra O Segundo Sexo também”, e eu falei “Ah, aquela bobagem?”,
assim.
Joana: Aquela bobagem?
Eleonora: É, porque perto da Sulamita é bobag...
Joana: Certo. 11
Eleonora:... naquela época. E eu era muito...eu já era muito libertária nessa sentido...
Joana: Certo.
Eleonora: ... então eu fui atrás, Minto, desculpa, um equívoco, na minha formação marxista eu li a
Alessandra Kolontai...
Joana: Certo.
Eleonora:... muito, a Juliet Mitchel...
Joana: Certo.
Eleonora:...e.... a Alessandra e a Juliet Mitchel.
Joana: Isso quando tu eras estudante?
Eleonora: Estudante e militante. Eu lia muito.
Joana: Certo. Mas não leste como uma feminista? Leste por causa do Partido.
Eleonora: Não. Li como esquerdista. Li como esquerdista. Que queria ler e achava a vida delas
fantástica.
Joana: O que tu lesse das duas?
Eleonora: A Alessandra Kolontai eu li “Minha vida” na época, da Sulamita eu li “A Revolução da
Psicanálise”, é... não, da Juliet Mitchel eu li “A Revolução da Psicanálise”, e depois eu vim ter um
contato que mexeu muito comigo, como eu criticando, mais eu não tinha muitos parâmetros para
criticar, foi é a história da família, da propriedade...
Joana: Engels.
Eleonora:... e do Engels.
Joana: Isso foi durante a tua formação de esquerda.
Eleonora: Minha formação.
Joana:... de esquerda? E aí depois...
Eleonora: É. Não, formação comunista.
Joana: Pois é, formação de esquerda, no caso.
Eleonora: De esquerda.
Joana: Quando tu entrasses neste grupo foi que tu tivesses contato com a Sulamita?
Eleonora: Sulamita.
Joana: Tá.
Eleonora: Sulamita é um marco na minha vida.
Joana: Tá bem.
Eleonora: E...
Joana: E comprasse O Segundo Sexo também?
Eleonora. Aí eu comprei O Segundo Sexo ...
Joana: E leste em seguida?
Eleonora: Li O Segundo Sexo. Fiquei muito apaixonada ...
Joana: Certo.
Eleonora:... também...
Joana: Betty Friedan Não?
Eleonora:...teve... não porque a Betty Friedan...
Joana: É 71 ela aqui no Brasil.
Eleonora: “A Mística Feminina”.
Joana: Isso.
Eleonora: Não, “A Mística Feminina” eu li em 76.
Joana: Certo. Um pouco depois, talvez?
Eleonora: Um pouco depois, quando foi traduzido.
Joana: Sim, mas foi traduzido em 71.
Eleonora: 71? Bem, eu tive acesso...
Joana: Certo. Não lembras quando?
Eleonora: Não, mas foi tudo nessa época de final de 74 até eu entrar para esse grupo...é...75...
Joana: Tu passaste a ter várias leituras. 12
Eleonora: Eu a ter várias leituras. Reli...
Joana: uhum.
Eleonora... a Alessandra. Reli a Juliet, e já fui mais generosa com elas.
Joana: Certo:
Eleonora: Do ponto de vista de mulher.
Joana: Sim, sim.
Eleonora: E eu fui nesse ni... ai já nessa época eu radicalizei meu feminismo. Eu comecei a militar.
Joana: Onde?
Eleonora: Em Belo Horizonte eu comecei a militar neste grupo.
Joana: Neste mesmo grupo?
Eleonora: É
Joana: O quê que se fazia além de discutir?
Eleonora: Nós discutíamos o corpo...
Joana: Certo.
Eleonora:... discutíamos a sexualidade, eu tive a minha primeira relação com mulher também...
Joana: uhum.
Eleonora: Quer dizer, que foi bastante precoce pra essa...e transava com homem...
Joana: Certo.
Eleonora:...pra minha trajetória.
Joana: Mesmo porque tu também estava com o teu marido eu acho, não estavas?
Eleonora: Sim, sim.
Joana: Estavas. Aham.
Eleonora: Mas nós nunca tivemos esse... e ele era um cara muito libertário. Nós nunca tivemos essa
questão de relação...
Joana: Certo.
Eleonora:... muito marginal em Belo Horizonte....
Joana: Sim. A militância em que no sentido que tu estas dando é no sentido de discussão?
Eleonora: No sentido de discussão e de priorizar a minha vida.
Joana: Certo.
Eleonora: Eu deixei de militar em organizações de esquerda...
Joana: Certo.
Eleonora:... e fui militar no feminismo...
Joana: Certo.
Eleonora:... em grupos de reflexão.
Joana: uhum.
Eleonora: Ali junto com esse grupo de mulheres feministas lésbicas.
Joana: uhum.
Eleonora: Ai esse grupo foi se ampliando...
Joana: uhum.
Eleonora:... e se desdobrando em grupos de reflexão, em grupos de criar um jornal, mesmo que fosse
um jornal de divulgação mão-a-mão, né?
Joana: E vocês chegaram a escrever isso?
Eleonora: Chegamos a escrever...
Joana: E como é que se chama esse jornal?
Eleonora: “Pensando a mulher”, era um jornalzinho de Belo Horizonte...
Joana: hum...
Eleonora: É.
Joana: Tu não tens ele?
Eleonora: Eu devo ter na minha casa.
Joana: É. 13
Eleonora: Devo ter uma cópia. Depois em 76 eu começo o processo de articulação mais nacional com
o feminismo...
Joana: Tá.
Eleonora:... via Belo Horizonte 75, 76.
Joana: De que jeito?
Eleonora: Começo com o S.O.S Mulher do...
Joana: Tu começasses a participar do S.O.S Mulher lá dentro de Belo Horizonte, é isso?
Eleonora: S.O.S. de Belo Horizonte fazendo a ponte com o S.O.S Mulher de São Paulo.
Joana: Tá.
Eleonora: Ai que eu conheço a Jacira, a Schuma...
Joana: Diga o nome completo delas, por favor?
Eleonora: Jacira Melo, Maria Aparecida Schumarer, a Teresa Verardo, um reencontro com a Iara
Prado, que era minha ex-companheira de cadeia...
Joana: Certo.
Eleonora:... que hoje é tucana, mas muito feminista com a Bete Vargas...
Joana: Certo.
Eleonora:... que é de Porto Alegre. É...com a... já estabelecendo um vínculo muito forte com a Celina
Albano em Belo Horizonte, que hoje é secretária de cultura da prefeitura. E aí nesse processo entra a
discussão do Ano Internacional da Mulher...
Joana: Certo.
Eleonora:... em 75. E aí começam os encontros feministas.
Joana: Tu participaste?
Eleonora: Participei de todos eles. O de Belo Horizonte...não...aí participei do de Valinhos que foi um
boom do ponto de vista de levantar as questões da sexualidade, o de Belo Horizonte que foi na
faculdade de Filosofia, depois o do Rio de Janeiro, e aí eu me mudo final de 77 princípio de 78, e eu
me separo, e nessa época eu trabalhava em Belo Horizonte na...num órgão do governo estadual por
ajuda... que ajuda assim que mesmo eu sem ter ainda o processo de anistia...
Joana: uhum.
Eleonora:... eu fui contratada como técnica de um órgão superintendente de planejamento urbano, o
XXX, então eu trabalhava lá. E aí no início de 78 eu já tinha me separado do meu ex-marido e resolvo
sair de Belo Horizonte. Aí quando eu saio de Belo Horizonte eu busco um lugar bem longe porque eu
não queria mais ser referência para a esquerda.
Joana: Entendi.
Eleonora: Porque é uma carga muito pesada.
Joana: Imagino.
Eleonora: Muito pesada.
Joana: Todo mundo te espia.
Eleonora: Me espia e me demanda.
Joana: E cobra.
Eleonora: Me chupa e me demanda, e eu não queria mais aquilo naquele momento. Eu queria viver a
minha individualidade, a minha sexualidade...
Joana: uhum.
Eleonora:...e eu não podia. Então eu procurei isso sou muito amiga, por incrível que pareça, a vida
inteira do Frei Beto e pedi a ele pra me encontrar um lugar o mais longe possível de Belo Horizonte.
Aí ele falou “Eu tenho dois lugares onde a Diocese é muito aberto, em Vitória com Dom Luís ou em
João Pessoa com Dom José Maria Pires. Eu falei “Eu quero João Pessoa”, quanto mais longe melhor.
Não tinha nem avião, eu fui de ônibus gastei 58 horas.
Joana: Foste com teus filhos?
Eleonora: Com os dois filhos.
Joana: Sim. 14
Eleonora: E João Pessoa foi... eu digo que João Pessoa de 78 a 84 foram anos fundamentais na minha
vida e no meu reencontro comigo mesma.
Joana: uhum.
Eleonora: Porque eu cheguei lá sem cartão de apresentação e sem...
Joana: A Frei Beto?
Eleonora: É... mas assim, eu cheguei, eu. Eu tive que construir minha vida.
Joana: uhum. Fosse trabalhar?
Eleonora: No Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba.
Joana: Tá legal.
Eleonora: E aí eu comecei a trabalhar com as mulheres rurais de Alagamar, que era o que eu queria, na
época muito pesado trabalhar com os movimentos de trabalhadoras rurais, e comecei , logo depois
retomei um grupo, a minha atividade de grupo de reflexão feminista com algumas mulheres em João
Pessoa. A maioria de fora de João Pessoa e duas de dentro...
Joana: uhum.
Eleonora:... de João Pessoa. Então nós criamos o primeiro grupo feminista lá em João Pessoa chamado
Maria Mulher.
Joana: Olha só!
Eleonora: É. Esse Maria Mulher...
Joana: Já ouvi falar.
Eleonora:... foi um grupo fortíssimo que teve desdobramento, hoje o CUNHA é um desdobramento
dele. Críamos esse grupo, esse grupo foi fortíssimo...
Joana: Também teve um jornal?
Eleonora: Não.
Joana: Não chegou a ter?
Eleonora: Esse grupo não chegou a ter. Esse grupo chegou a ter várias publicações chamadas Maria
Mulher...
Joana: É?
Eleonora: É. Esse termo de história em quadrinho...
Joana: uhum.
Eleonora: E...
Joana: Tipo divulgação?
Eleonora: É, da questão da mulher.
Joana: uhum. Divulgação da questão da mulher.
Eleonora: É. Nós trabalhávamos com a questão da violência, contra a violência contra a mulher.
Fizemos uma enorme...um enorme movimento de visibilidade contra o assassinato de uma poetisa lá
chamada Violeta formiga que foi assassinada por um cara de classe alta, seu ex-marido...
Joana: uhum.
Eleonora:... senhor do engenho rural e da alta burguesia. E nós fomos pra rua. Fomos pra “quem ama
não mata” naquela insígnia que o Brasil estava...
Joana: Estás falando da Diniz?
Eleonora: É. “Quem ama não mata” e O silêncio é cúmplice da violência, e aí começamos a nos
articular dentro do Nordeste.
Joana: Tá.
Eleonora: Era o S.O.S Mulher...o S.O.S Corpo e um grupo de reflexão que tinha em Natal...
Joana: uhum.
Eleonora:... de auto-reflexão, e o Maria Mulher o quê que nós fazíamos? Nós fazíamos auto-exame de
colo de útero, auto-exame de mama...
Joana: O que tu fez de Medicina estava ajudando?
Eleonora: Estava ajudando muito. Trabalho com violência contra a mulher e trabalho de sensibilização
e cursos de educação pra mulheres da periferia e mulheres rurais.
Joana: Vocês tinham apoio financeiro? 15
Eleonora: Nenhum.
Joana: Quer dizer, por conta própria.
Eleonora: Eram grupos de auto-ajuda. Naquela época não tinha as agências financiadoras.
Joana: Não tinha é.
Eleonora: Grupos de auto-ajuda. Com esse grupo nós colocamos o feminismo paraibano no nível
nacional, e ele foi se fortalecendo muito, esse grupo. Por causa desta militância toda... aí eu feminista,
eu tive minha casa em João Pessoa incendiada.
Joana: Nossa!
Eleonora: É.
Joana: Isso foi em que ano?
Eleonora: Foi em 81.
Joana: 81.
Eleonora: Foi durante a primeira greve de professores, eu era da ANDES e também era feminista.
Joana: A essas alturas tu já eras professora de novo?
Eleonora: Ai eu entro para a Universidade Federal da Paraíba como colaboradora 80 que existia...
Joana: Tu ainda não tinhas mestrado?
Eleonora: Não. Eu fui fazer...fiz o meu mestrado na Paraíba, em Sociologia do Trabalho...
Joana: Depois de 81?
Eleonora: É. Terminei em 82, 83...aí encontro na Paraíba a Lourdes Bandeira que já estava na Paraíba
também. E aí eu entro para a Universidade...
Joana: Certo.
Eleonora:...eu faço concurso e entro pra Universidade.
Joana: uhum.
Eleonora: Não, eu entrei pra Universidade mais cedo. Eu entrei pra Universidade em 78, eu chego em
78. E nesse momento da primeira greve com as questões feministas, a minha participação em... (toca
um celular)
Eleonora: Só um minutinho.
(Interrupção da gravação)
Joana: Tu estavas dizendo que entraste na Universidade pra dar aulas como...
Eleonora: Colaboradora.
Joana:...colaboradora em 78.
Eleonora: Em 78. E na greve de 82, que fomos todos incorporados, eu entro para o quadro permanente
da Universidade.
Joana: Ah tá.
Eleonora: Entendeu? Mas eu dava aula até naquele contrato de colaboradora 80.
Joana: uhum.
Eleonora:...que tinha nas universidades federais. Foi durante a primeira greve nacional, eu era do
comando de greve , eu estava voltando de Olinda com o Francisco Julião e quando cheguei , minha
casa havia sido destruída por uma bomba...
Joana: Certo.
Eleonora:...e voltei junto com ele. Eu dei carona pra ele, e quando eu chego a minha casa estava
incendiada.
Joana: Nossa. E foi incêndio criminoso?
Eleonora: Foi criminoso, teve processo, teve...
Joana: Nossa.
Eleonora: Foi.
Joana: Não descobriram quem era?
Eleonora: Não, mas há ainda suspeitas bem...bem claras que foi um latifúndiário.
Joana: Certo.
Eleonora: Exatamente por causa, não só do meu trabalho feminista, mas meu trabalho de mulheres
com as trabalhadoras rurais. 16
Joana: Certo.
Eleonora: E aí é que eu conheço a Margarida Alves, a Penha, que morreu com a Bete Lobo, e eu passo
a ter uma...elas passam a ter uma importância muito grande na minha vida e vice-versa.
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: E aí eu...
Joana: Fala, e daí tu fosse fazer mestrado...
Eleonora: Não, eu fiz mestrado na Paraíba.
Joana: Na Paraíba mesmo.
Eleonora: Na Paraíba mesmo.
Joana: Isso em 81, 82...
Eleonora: Eu terminei de 82 para 83.
Joana: Certo.
Eleonora: Meu mestrado foi O Feminismo:o reinventar da educação...
Joana: Certo.
Lenora:...a partir de práticas feministas.
Joana: E isso foi na Educação?
Eleonora: Não, foi na Sociologia.
Joana: Na Sociologia.
Eleonora: Na Sociologia do Trabalho.
Joana: Tá.
Eleonora: Eu fiz com um grupo de mulheres da periferia...
Joana: Tá.
Eleonora:...em João Pessoa mesmo.
Joana: Tá.
Eleonora: Depois em 84 eu venho pra São Paulo fazer doutorado na Ciência Política, já
articuladíssima...
Joana: Imagino.
Eleonora:...com o feminismo, e com linhas de pesquisa bem definidas do ponto de vista feminista.
Joana: Quem é que te orientou em São Paulo?
Eleonora: Em São Paulo foi a Maria Lúcia Montes, uma antropóloga. Embora na época ela fosse da
Ciência Política. E em 84 eu faço, entro para o doutorado com uma tese que era sobre Direitos
Reprodutivos e Direitos Sexuais a partir...é...a construção da cidadania a partir do conhecimento sobre
o próprio corpo.
Joana: Isso por conta do teu trabalho com as mulheres? Certamente, claro.
Eleonora: Por conta do meu trabalho com as mulheres em uma favela chamada Favela Beira-Rio.
Joana: Certo.
Eleonora: Lá em João Pessoa.
Joana: uhum.
Eleonora: Que hoje é um bairro. Então nesta época eu fiquei quatro anos em São Paulo fazendo a tese
e voltando a João Pessoa
Joana: Por que os meninos ficaram lá?
Eleonora: Comigo em São Paulo.
Joana: Em São Paulo.
Eleonora: Em São Paulo. E aí fui coordenadora do grupo de Mulher e Política da ANPOCS, do GT.
Joana: uhum.
Eleonora: Dois anos...dois mandatos seguidos, e voltei pra João Pessoa. Aí em São Paulo eu integrei
um grupo do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Eu a Maria José Oliveira, a Vera Soares, a
Tereza Verardo a Margareth Lopes, a Magali Marques, críamos o Coletivo Feminista Sexualidade e
Saúde, que é uma ONG, para atender as mulheres de forma diferenciada com respeito a... E nesse
período estive também pelo Coletivo fazendo um treinamento de aborto na Colômbia.
Joana: Certo. 17
Eleonora: O Coletivo nós críamos em 95...
Joana: Como é que era esse curso de aborto?
Eleonora: Era no Clínicas em Aborto...a gente aprendia a fazer aborto...
Joana: Aprendia a fazer aborto.
Eleonora: Com aspiração AMIU
Joana: Com aquele...
Eleonora: Com a sucção.
Joana: Com a sucção. Imagino. Uhum.
Eleonora: Que eu chamo de AMIU . Porque a nossa perspectiva no Coletivo, a nossa base...
Joana: Que as pessoas se auto...auto...fizessem
Eleonora: Auto-capacitassem, e que pessoas não médicas podiam...
Joana: Claro.
Eleonora:...lidar com o aborto.
Joana: Claro.
Eleonora: Então vieram duas feministas que eram clientes, usuárias do Coletivo, as quais fizeram o
primeiro auto-exame comigo. Então é uma coisa muito linda...
Joana: uhum.
Eleonora:...muito bonita, descobrirem o colo do útero e...
Joana: uhum.
Eleonora:...ter uma pessoa que segura na mão.
Joana: Certo.
Eleonora: E elas dão esses depoimentos em vários encontros. E depois em São Paulo, em... ...em 89...
Joana: Já devias ter defendido a tese a essas alturas?
Eleonora: Não, eu defendi em 90.
Joana: Defendesse em 90.
Eleonora: 90. Em dezembro de 90. Eu voltei pra Recife. Voltei pra João Pessoa e morei em Recife.
Joana: uhum.
Eleonora: Trabalhei tanto no Maria Mulher e na volta, em 90, eu pedi transferência pra Universidade
Federal de São Paulo, a então Escola Paulista de Medicina, porque meus filhos queriam ficar em São
Paulo...
Joana: Certo.
Eleonora: Eu pedi transferência....
Joana: E foi tranqüilo?
Eleonora: Não, foi difícil transferência na época do Collor.
Joana: Imagino.
Eleonora: E ai eu me...eu fui uma das que teve direito de transferência garantida porque eu vim
liberada com a seguinte questão, se o Collor ganhar a presidência, e assumir e exigir que todos
retornem, a sua transferência é será dada.
Joana: uhmm.
Eleonora: Ele exigiu, ele ganhou e exigiu e a minha transferência foi incentivada. Eu volto...eu
venho...aí nós críamos em 90 a Rede Nacional Feminista de Saúde, em Itapecerica da Serra
Joana: Certo.
Eleonora: E...dentro da Escola Paulista nós temos um núcleo.de estudos e pesquisas em saúde e
realções de gênero. Eu não tinha um Departamento de Medicina Preventiva que me acolhesse ainda, aí
eu fiz a escolha de ir para o Departamento de Enfermagem na perspectiva de contribuir com a
melhoria da qualidade de assistência das mulheres.
Joana: uhum.
Eleonora:...na ponta dos serviços. Na Escola Paulista eu tive...e nós críamos o Núcleo de Estudo em
Saúde da Mulher e Relações de Gênero, e junto com outro grupo de mulheres feministas, inclusive a
Margareth Rago, a Miriam Grossi, e a Magda Neves, nós fizemos parte de um núcleo que com um
recurso da Ford a partir de um encontro de São Paulo, da Fundação Carlos Chagas... 18
Joana: Certo.
Eleonora:...cria a REDEFEM, cria a Revista de Estudos Feministas...
Joana: Sim.
Eleonora:...e cria esse grupo que ia pensar o ensino feminista através dos núcleos de estudos.
Joana: uhum.
Eleonora: Esse grupo era composto por essas pessoas...
Joana: Sai aquele livro inclusive, “Questão de Gênero”...
Eleonora Exatamente. Exatamente.
Joana: uhum.
Eleonora: E eu continuo com duas linhas....hoje eu sou professora livre docente, do Departamento de
Medicina Preventiva com uma tese que se transformou em livro, eu fiz meu pós-doutorado em Milão,
na Itália, na Faculdade de Medicina na área de Saúde, Trabalho e Gênero.
Joana: uhum.
Eleonora: Hoje eu coordeno um diretório de pesquisa que é Saúde e Relações de Gênero no CNPq. Eu
sou pesquisadora 1B do CNPq, e toda a minha atividade de pesquisa é na área de Saúde e Relações de
Gênero, e Saúde da Mulher, com um olhar feminista.
Joana: uhum.
Eleonora: Tem um impacto disso na construção do conhecimento da saúde.
Joana: uhum.
Eleonora: E...no ativismo eu faço parte da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivo,
uma das fundadoras, e até novembro eu ocupo lugar de relatora das Nações Unidas do Direito a Saúde
no Brasil.
Joana: Certo.
Eleonora: Fui indicada pela Rede...
Joana: Certo.
Eleonora:...e selecionada curricularmente. E toda a minha produção, tanto acadêmica como o meu pé
na militância, no ativismo feminista, ele se dá via duas grandes linhas de pesquisa que é Feminismo, e
Saúde e Relações de Gênero. Dentro da Saúde e Relações de Gênero tudo o que diz respeito a Direitos
Reprodutivos e Sexuais, Saúde e Trabalho.
Joana: Certo.
Eleonora: E Violência. Hoje eu faço parte da coordenação de um dos serviços de violência que atende
mulheres vítimas de violência sexual, que é o da UNEFESP, o da Casa de Saúde, atendemos mulheres
que foram vítimas de violência sexual e fazemos o aborto nesses casos.
Joana: Certo.
Eleonora: E também hoje faço parte das Jornadas Brasileiras pela Legalização do Aborto,no grupo de
coordenadoras.
Joana: uhum, uhum. Essa é tua militância atual?
Eleonora: É minha militância atual.
Joana: Tu também fazes parte da REDEFEM eu acho.
Eleonora: Faço, faço parte da REDEFEM, exatamente.
Joana: Estás em várias frentes.
Eleonora: Sou consultora de várias.Revistas e Agências de Fomento..
Joana: Imagino.
Eleonora: Capes, CNPq, barará...barará...barará...Fundação Carlos Chagas.
Joana: uhum.
Eleonora: Agora esses últimos dois anos eu concentrei nesse trabalho de relatoria da ONU...
Joana: uhum.
Eleonora:...e onde foi fantástico porque nós definimos...isso até eu gostaria de dizer, nós definimos
como eixo estruturador dessa relatoria, são seis relatorias pra Educação, a Saúde, Água, Terra e
Alimentação, Moradia, Trabalho e Meio Ambiente...
Joana: uhum. 19
Eleonora:... e só sou eu de relatora, o resto tudo é homem. E na relatoria da saúde nós definimos como
os dois grandes eixos estruturadores dos casos paradigmáticos de violência a questão da saúde da
mulher e a saúde no trabalho. Na saúde da mulher nós visitamos vários municípios do interior de
Recife onde a morte materna é altíssima pra sair do eixo Rio, São Paulo e de Minas Gerais, e a questão
do aborto.
Joana: uhum.
Eleonora: Visitamos várias maternidades: duas grandes maternidades do Rio de Janeiro, duas
maternidades do Rio, duas de Belo Horizonte, uma de Fortaleza, onde nós tínhamos recebido notícia
que mulheres tinham morrido por aborto e as profissionais tinham sido presas. Na do Rio mais grave,
que a profissional algemou a mulher na cama e chamou a polícia.
Joana: Meu Deus!!!
Eleonora: É. Pra prender. Isso foi há seis meses. E a outra Saúde e Trabalho são questões de
contaminação e da questão de método, e essas denúncias são levadas pra ONU. Nós vamos agora para
Genebra, como fomos no ano passado. E duas dela foram para a Organização dos Estados Americanos
para responsabilizar o Estado por essas relações. O Estado brasileiro, é uma questão...a minha questão
feminista faz parte da minha vida integral.
Joana: Eu tô vendo.
Eleonora: Completamente.
Joana: Tu te lembras de mais alguma coisa? Eu acho que eu esgotei as nossas questões.
Eleonora: Eu completei?
Joana: Uhum, completaste.
Eleonora: A não ser que você tenha...
Joana: Bom, eu iria te perguntar se tu autorizas a divulgação da entrevista. Eu vou te mandar de
qualquer maneira a transcrição, se tu quiser acrescentar ou tirar alguma coisa.
Eleonora: Quero. Quero. E pra mim, uma questão que eu acho que é importante, é dizer que hoje eu
tenho 60 anos e sou avó.
Joana: uhum.
Eleonora: E eu digo que a questão feminista é tão dentro de mim, e a questão dos Direitos
Reprodutivos também, que eu sou avó de uma criança que foi gerada por inseminação artificial na mãe
lésbica.
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Então eu digo que sou avó da inseminação artificial...
Joana: (risos)
Eleonora:...alta tecnologia reprodutiva.E aí eu queria colocar a importância dessa discussão que o
feminismo coloca, no sentido do acesso às tecnologias reprodutivas.
Joana: Certo.
Eleonora: Entendeu? E eu diria...eu fiz dois abortos, e também digo que sou avó do aborto, também
porque por mim já passou.
Joana: Sim
Eleonora: Também já passou nesse sentido. E diria que eu sou uma mulher muito feliz e muito
realizada, e eu pauto em duas questões: na minha militância política e no feminismo.
Joana: Certo. A tua história, né?
Eleonora: Que é a minha história de vida e eu acredito que os sujeitos são construídos a partir de sua
própria história.
Joana: Claro. Tá certo.
Eleonora: Tô falando isso pra historiadora...
Joana: (risos). Tá certo. Bom, Eleonora eu te agradeço bastante, e se a gente tiver uma outra questão a
gente volta a conversar.
Eleonora: Sem dúvida. Estou a disposição.
Transcrita por Joana Borges
Conferida por Luciana Fornazari Klanovicz
Mini-Biografia
Eleonora Menicucci de Oliveira, nasceu em Lavras, Minas Gerais, em 1944, é Professora de Ciências
Humanas em Saúde da Universidade Federal de São Paulo, atuou em grupo clandestino durante a
ditadura sendo militante da POLOP e da POC. Reside em São Paulo.
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974), mestrado
em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (1983) e doutorado em Ciência Política pela
Universidade de São Paulo (1990) e Livre Docência em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde
Pública da USP. Atualmente é servidor publico da Universidade Federal de São Paulo lotada como
docente no Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP. Tem experiência na área de
Sociologia, com ênfase em Sociologia da Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: direitos
humanos, direitos reprodutivos e sexuais, autonomia, aborto-escolha, violência doméstica e sexual,
políticas públicas, avaliação qualitativa e autodeterminação.
Entrevista com Eleonora Menicucci de Oliveira.
Joana: Hoje é dia 14 de outubro de 2004 e nós estamos em Cárceres no evento que se chama Corpo,
Sexualidade e Gênero, ou qualquer coisa nessa direção, promovido pela Universidade Estadual de
Cárceres, e eu estou aqui conversando com a Eleonora Menicucci. E eu gostaria que tu começasses
falando de onde é que tu nasceste, porque o que eu quero mesmo é que tu me contes quando é que tu
achaste que tu eras feminista, que é essa a minha discussão, a identificação com o feminismo.
Eleonora: Uhum.
Joana: Tá certo?
Eleonora: Entendi.
Joana: Mas eu queria que tu falasses primeiro com que nome tu nasceste, Eleonora Menicucci mesmo?
Eleonora: Eleonora Menicucci de Oliveira. Eu nasci em Lavras, interior de Minas, sul de Minas, no
dia 21 de agosto de 1944, no ano do final da Guerra, da Segunda Guerra. Eu sou a segunda de seis
filhos, cinco mulheres e um homem,(uma morreu ainda pequena) e fui basicamente educada só por
mãe porque meu pai morreu quando eu tinha onze anos.
Joana: Há é?
Eleonora: Com quarenta e quatro anos e minha mãe tinha trinta e cinco.
Joana: Tu eras a mais nova então?
Eleonora: A segunda.
Joana: A segunda.
Eleonora: A segunda de cinco filhos. Sendo quatro mulheres e o mais novo homem.
Joana: Tá.
Eleonora: Eu atualmente resido em São Paulo na rua João Moura, 476 apartamento 51 em Pinheiros.
Eu atualmente sou socióloga sanitarista, professora livre docente do Departamento de Medicina
Preventiva, dedicação exclusiva na Universidade Federal de São Paulo ligada à disciplina de Ciências
Humanas em Saúde. 2
Joana: Faculdade de Medicina, no caso?
Eleonora: Antiga Escola Paulista de Medicina, hoje chama Universidade Federal de São Paulo. E
atualmente eu também estou exercendo a vice pró-reitoria de pesquisa na minha universidade.
Joana: É?
Eleonora: É, recentíssimo, há dois meses. Eu sempre fui professora. Lecionei na Universidade Federal
da Paraíba.
Joana: Tu começasses no primário, nada?
Eleonora: Eu fiz o colegial, eu fiz o curso normal até então...
Joana: Há é, fizeste o curso normal?
Eleonora: É, em Belo Horizonte. E do curso normal...não, em Lavras. E me formei em 1963 como
professora primária, imediatamente depois eu fui pra Belo Horizonte e aí me... Imediatamente eu fui
lecionar num colégio de primeiro e segundo grau particular e entrei para o partido comunista.
Joana: Isso era que ano mais ou menos?
Eleonora: 1964, no ano do Golpe.
Joana: 64.
Eleonora: 64, no ano do Golpe. Ai entrei pra universidade neste mesmo ano.
Joana: Tá. Fosse fazer faculdade.
Eleonora: Fui fazer faculdade.
Joana: Sociologia, no caso?
Eleonora: Não, eu fiz Pedagogia. É porque...aí um mês depois o partido achou que eu deveria pedir
transferência para Ciências Sociais, aí teve um novo vestibular...
Joana: Tá.
Eleonora: ...no mesmo ano em abril eu entrei para Ciências Sociais, chamada Ciências Sociais, né? E
lecionava, fiz concurso pra ser professora de escola pública...
Joana: Há tu fosse professora de quinta à oitava série.
Eleonora: em Belo Horizonte, fui professora primária de quinta à oitava série numa favela que
chamava Morro do Papagaio, em Belo Horizonte. E neste ano em 65 também por decisões partidárias,
depois do Golpe, eu também fiz vestibular pra Medicina e passei e cursei quatro anos de Medicina
junto com Ciências Sociais.
Joana: Olha só!
Eleonora: Por isso que eu estou na Escola Paulista de Medicina..
Joana: Certo.
Eleonora: Tem algo do retorno, né?
Joana: Sim, sim.
Eleonora: E daí é...eu tenho...eu sou separada, tenho dois filhos, uma moça com 35 anos que tem uma
filhinha de 2 anos, e um rapaz de 29 anos, né?
Joana: Jóia.
Eleonora: Ela mora em Nova York, é cineasta e ele é... ele mora em São Paulo tem uma fábrica de
fazer prancha...
Joana: uhum.
Eleonora:... de surf, né?
Joana: uhum.
Eleonora: E...bem, aí você me pergunta, tá aqui a primeira questão: no período de 64 a 85 se eu me
identifiquei com o feminismo?
Joana: Sim. A partir de quando você achou que era feminista?
Eleonora: Pois é Joana, eu me descobri feminista na cadeia...
Joana: Tá.
Eleonora: ... em 1971, em São Paulo ? DOI-CODI porque...só pra fazer um...
Joana: Você já era casada nessa época?
Eleonora: Já. Só pra fazer um gancho, eu entrei pro Partido Comunista depois rachei com o Partido
Comunista, fui pra luta armada e... 3
Joana: Você fez parte de qual organização?
Eleonora: Eu fiz parte da dissidência do Partido Comunista, depois da POLOP, e depois do POC,
Partido Operário Comunista.
Joana: Certo.
Eleonora: E em 67 eu já clandestina em Belo Horizonte eu casei com um companheiro, de organização
quando eu digo, e casei porque eu precisava...eu queria mudar de nome porque eu já estava muito
queimada.
Joana: uhum.
Então eu passei a me chamar Eleonora de Oliveira Soares, né? E neste momento em 67 até 68, final de
67 início de 68, ainda estava em Belo Horizonte, quando foi julho eu entrei pra clandestinidade em 68
fui pra cidade industrial, e no final de 68 nós, quando a situação da luta contra a ditadura apertou
muito, nós fomos para São Paulo já clandestinos, e eu fui grávida.
Joana: Tu e teu marido?
Eleonora: Eu e ele. Os dois nas mesmas condições. E eu fui grávida é...e eu fiquei 69 inteira...inteiro
clandestina grávida fazendo ações...
Joana: uhum.
Eleonora: ...em São Paulo. A minha filha nasceu em 27 de setembro de 69, próximo ao seqüestro do
embaixador americano e do homem ter ido à Lua, tá vendo?
Joana: uhum.
Eleonora: ...do Yuri Gagarin. Eu tive clandestinamente essa filha na maternidade de São Paulo.
Joana: Com outro nome, é isso?
Eleonora: Eu tive com outro nome, ela tinha outro nome.
Joana: Certo.
Eleonora: E o meu companheiro, que era o meu ex-marido, ele só pode vê-la depois que eu sai da
maternidade.
Joana: Certo.
Eleonora: né?
Joana: Por que vocês estavam sendo procurados, evidente?
Eleonora: Procurados por três processos.
Joana: uhum.
Eleonora: Já morávamos na cidade...no ABC com nome falso, com tudo falso. E ela nasce de cesária,
em 69. E nós ainda ficamos, ai era no POC, nós ficamos clandestinos até julho de 71. Sendo que em
maio de 71 quando o POC, começou a queda do POC na OBAN em São Paulo, a organização decidiu
é...que a gente deveria, eu era da direção e eu também participei dessa decisão, que deveríamos sair do
país.
Joana: Certo.
Eleonora: Eu saí até o Chile e ele ficou em São Paulo e eu voltei com a menina um mês depois.
Joana: Certo.
Eleonora: Porque a minha avaliação era que eu tinha que fazer...
Joana:...a luta armada aqui.
Eleonora:...a luta armada aqui. E um detalhe importante nessa trajetória é que seis meses depois dessa
minha filha ter nascido eu fiquei grávida outra vez. Ai junto com a organização nós decidimos, a
organização, nós, que eu deveria fazer aborto porque não era possível...
Joana: Certo.
Eleonora: ...na situação ter mais de uma criança, né? E eu não segurava também. Aí foi o segundo
aborto que eu fiz.
Joana: uhum.
Eleonora: Tinha um cara, Isac Abramovicht, um ano depois ele vai ter...ele vai ser uma figura de
destaque na minha vida.
Joana: Esse cara quem? 4
Eleonora: O médico que me fez a primeira consulta de pré-natal na clandestinidade , indicado por uma
companheira.
Joana: ...que fez teu aborto.
Eleonora: Não, eu fiz aborto em outra clínica de Pinheiros, também de um médico militar, vim a saber
depois. Eu vou presa dia 11 de julho de 71.
Joana: uhum.Espera, tu tinhas ido pro Chile...
Eleonora: Pro Chile e voltei.
Joana: e voltaste? E teu marido ficou lá?
Eleonora: Ficou em São Paulo. Eu fui sozinha com minha filha.
Joana: Tu fosse sozinha. Ai tu voltasse...
Eleonora: Com o grupo do POC.
Joana: Tá. Tu voltasses um mês depois...
Eleonora: Um mês depois...
Joana: E aí fosse presa em seguida?
Eleonora: Fui presa três meses depois.
Joana: Vocês estavam certos em querer sair.
Eleonora: Sim. Completamente certos de querer ficar no Brasil.
Joana: uhum.
Eleonora: Aí eu fui presa em 1971 dia 11 de julho com ela...
Joana: Tavas com ela.
Eleonora: Ela tinha um ano e dez meses.
Joana: Fosse presa como? Em casa?
Eleonora: Eu fui presa na casa de uns tios do meu ex-marido porque nesse mesmo dia ele tinha ido pra
Uberaba clandestino pro velório da mãe dele. E eu fui deixar a Maria na casa desses tios. Aí quando
nós chegamos a OBAN já estava lá.
Joana: Tsiiii.
Eleonora: E aí eram dezessete homens armados pra me prender. E isso era uma hora da tarde. Às seis
horas eu fui pra OBAN, e eu me separei dessa minha filha dizendo que ia para o dentista bruscamente.
Joana: E ela tava com o que?
Eleonora: Um ano e dez meses.
Joana: Um ano e dez meses.
Eleonora: E aí no processo foi todo mundo preso. Meu ex-marido foi preso no enterro. E durante o
processo de tortura, que durou 72 dias na OBAN, de todas as formas de tortura a minha filha com um
ano e dez meses foi torturada na minha frente tomando choque. Então este foi o episódio. O que fez o
pré-natal e poderia ter feito o meu aborto era médico da OBAN – o torturador, ele ainda hoje tem uma
clínica de aborto em São Paulo.
Joana: Barbaridade.
Eleonora: E ele que me...e ele que nos dava a injeção pra gente voltar da tortura. Então é esta figura
hoje que o CRM está sempre...tá caçando, o CRM e eu tenho ido no CRM várias vezes e na Justiça
depor contra ele na Comissão dos Mortos e Desaparecidos. É aí eu fiquei, minha filha foi morar pra
com a minha mãe, e eles não torturaram a minha filha na frente do meu ex-marido.
Joana: Tá. Foi só na tu frente.
Eleonora: Só na minha frente. E isso foi o momento decisivo pra eu descobrir a importância que a
maternidade tinha pra mulher e a importância que qualquer instância social de poder...
Joana: uhum.
Eleonora:... fazia uso do corpo da mulher e da maternidade, né? Isso me fez a pensar... me colocou a
pensar e refletir muito no sentido de que qual era a relação do centralismo democrático, da esquerda
com a questão da mulher. Por que eu fui me descobrir feminista na tortura?
Joana: uhum. E tu percebestes a diferença. 5
Eleonora: Eu percebi absolutamente a diferença, e não só a diferença na tortura, porque a tortura de
homens e mulheres ela foi completamente diferente, tinha o uso do corpo da mulher o que não tinha o
uso do corpo do homem.
Joana: uhum.
Eleonora: Tinha o uso da suposta fragilidade materna.
Joana: uhum.
Eleonora: Né? E em detrimento da suposta força de virilidade masculina...do pai.
Joana: uhum.
Eleonora: E também ao repensar toda a minha trajetória de esquerda eu pude perceber as relações de
poder muito forte de gênero na esquerda.
Joana: uhum.
Eleonora: Então essas duas coisas foram fundamentais pra eu me tornar feminista. E evidentemente
que o meu encontro com o feminismo ele nasce muito com uma transversalidade da questão de classe
social.
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Porque eu vim desse lugar.
Joana: Certo. Tu estavas entrando por questão de classe.
Eleonora: Eu vim desse lugar.
Joana: uhum.
Eleonora: E...
Joana: Mas eu queria saber mais, por favor.
Eleonora: Pode continuar.
Joana: Tu me falaste que tu começasses também a observar a questão da mulher, das relações no
interior da tua própria organização, das organizações das quais tu participastes, além da questão dos
órgãos de repressão havia também. Tu poderias, porque há pouco tu me contaste que a tua filha foi
torturada na tua frente, e que também usaram contigo uma tortura diferente da do teu marido.
Eleonora: Sim, sim.
Joana: E com relação ao fato de...
Eleonora: Só ao fato dela ter sido torturada só na minha frente e não na dele...
Joana: e não na dele... é...
Eleonora: ... já é... tem um significado.
Joana: Já. E com relação às organizações das quais tu participavas?
Leonota: Há... primeiro que as mulheres dificilmente chegavam a um cargo de poder...
Joana: Mas tu eras a chefe?
Eleonora: Eu era. Fui uma das poucas. Por que? Eu me travesti de masculino...
Joana: É? Como era?
Eleonora: Eu tinha atitudes masculinas, eu tinha atitudes...Quais são as atitudes masculinas?
Determinar entre... simbolicamente e a representação do masculino...
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Era decidida, determinada, forte, sabia atirar...
Joana: uhum.
Eleonora: Entendeu?
Joana: Entendi.
Eleonora: Sendo que muitas mulheres sabiam isso tudo.
Joana: Certo.
Eleonora: Transava com vários homens.
Joana: Certo.
Eleonora: Essa questão do desejo e do prazer sempre foi uma coisa muito libertária pra mim, e por isso
eu fui muito questionada dentro da esquerda.
Joana: É?
Eleonora: É. 6
Joana: Dentro do mesmo grupo do qual tu eras a líder?
Eleonora: Sim. Porque o próprio... por questões de segurança eu só poderia ter relação sexual com os
companheiros da minha organização.
Joana: Certo.
Eleonora: Num determinado momento sim, mas na história do movimento estudantil também já existia
isso.
Joana: Certo. Eu acho que tem alguém tocando a porta. (Interrupção)
Joana: Então, nós estávamos na organização. Tu estavas dizendo que tu sentiste isso a partir do fato de
que tu observasses que as mulheres nunca ocupavam ou dificilmente ocupavam...
Eleonora: Em sua maioria não ocupavam um cargo de direção.
Joana:... e também a questão da transa.
Eleonora: A questão da transa e a outra questão, por exemplo...
Joana: Mas, estavas me contando que para...por questões de segurança só transava no interior do
grupo.
Eleonora: Isso muito, muito recente, muito próximo à prisão.
Joana: Certo.
Eleonora: Porque ao longo do movimento estudantil...
Joana: uhum.
Eleonora:... eu transava com todos...
Joana: Sim.
Eleonora:... independente da minha organização.
Joana: Certo.
Eleonora: À medida que a situação de repressão foi ficando cada vez mais forte...
Joana:... uhum.
Eleonora:... aí, evidentemente, que eu mesma tinha os meus critérios...
Joana. Certo, de seleção de parceiros.
Eleonora:...de seleção de parceiros daqueles que estavam na mesma organização que eu.
Joana: Tá.
Eleonora: Mas existia uma regra.
Joana: Que regra era essa?
Eleonora: Que você só podia ter relação sexual entre as pessoas da sua célula.
Joana: Tá. E os homens, acontecia isso também? Ou era só com as mulheres?
Eleonora: Há, era só com as mulheres.
Joana: Porque os homens transavam com outras.
Eleonora: Transavam, transavam, transavam, transavam. E a outra coisa que era muito marcante na
esquerda... na clandestinidade na esquerda, se por um lado a esquerda, veja bem eu não tenho a menor
dúvida disso, nos liberou...
Joana: uhum.
Eleonora:... nos colocou um horizonte de vida, nos liberou
Joana: uhum.
Eleonora:... do ponto de vista político, sexual, de mentalidade com um projeto de sociedade, isso gera
um combate muito forte entre família nuclear e a esquerda. Militar na esquerda tinha uma questão
muito... o centralismo democrático era muito forte.
Joana: Tá.
Eleonora: Então a sua opinião... a sua percepção, os seus sentimentos não poderiam ser extravasados.
Joana: uhum.
Eleonora: Os seus medos, suas dores, suas saudades.
Joana: Certo.
Eleonora: Não poderiam. E as mulheres, eu digo isso muito, para serem aceitas e ascenderem cargos
de direção elas tinham que ter atitudes muito consideradas pela esquerda que os homens é que tinham.
Joana: Certo. Certo 7
Eleonora: E ao longo do processo da esquerda, e ao longo do processo de cadeia, porque eu fiquei três
anos e oito meses presa.
Joana: E o teu marido?
Eleonora: Também ficou quatro.
Joana: uhum.
Eleonora: Na cadeia que as... foram se desmanchando as organizações e a convivência se tornou mais
íntima entre nós de outras organizações? Ficou muito claro a questão da relação com as mulheres.
Joana: Certo.
Eleonora: Era uma relação de poder.
Joana: uhum.
Eleonora: Agora nós ocupamos cargos, mas a maioria de mulheres que era aceita, transvestia-se de
masculina.
Joana: Certo.
Eleonora: Ela era, você podia dizer, que era um reflexo das relações de poder da sociedade, mas essa
questão não se colocava pra nós, hoje é uma leitura que eu faço...
Joana: uhum
Eleonora:... bem pós pós pós pós...
Joana: uhum. Uhum.
Eleonora:... pós- o período....
Joana: Certo.
Eleonora:... não pós-modernidade, pós- o período.
Joana: Pós- o período. Entendo.
Eleonora: Pós- o período. Então nesse sentido as únicas mulheres que eram direção da minha
organização era tres.
Joana: Bom começo.
Eleonora: Todos masculinos.
Joana: Certo.
Eleonora: Todos homens.
Joana: Eu quero voltar a tua filha. Eles torturaram ela na tua frente, mas a tua família não a recuperou?
Eleonora: A minha filha... a minha família a recuperou após dez dias.
Joana: Dez dias. Então ela ficou contigo dez dias.
Eleonora: Ela não ficou comigo, ela ficou no exército e eu fiquei no DOI-CODI.
Joana: Certo.
Eleonora: Eu não sei com quem ela ficou.
Joana: Certo.
Eleonora: Hoje sei.
Joana: Certo.
Eleonora: Que a irmã do meu ex-marido ficava indo muito lá.
Joana: Certo.
Eleonora: Isso me transmitiram.
Joana: uhum
Eleonora: Depois ela foi recuperada pela minha mãe. Ela foi criada pela minha mãe esses...
Joana: Esses três anos e pouco que tu ficaste lá.
Eleonora: É. Ela ficou até os cinco anos de idade ela ficou com a minha mãe, cinco e pouco. Depois eu
sai da cadeia em 74, fui pra Belo Horizonte, morei com a minha mãe uns meses e depois meu exmarido saiu e nós começamos um processo de recuperação dela.
Joana: Certo.
Eleonora: Que foi ...
Joana: Que não deve ter sido fácil, não é?
Eleonora: Isso foi muito doloroso porque o sentimento de perda dela era absurdo...
Joana: Porque ela não reconhecia vocês? 8
Eleonora: Não, ela não nos reconhecia como pai e mãe nem como pessoas..né?...
Joana: Em suas relações.
Eleonora: Em minhas relações. E depois imediatamente eu quis ter outro filho...
Joana: uhum.
Eleonora:... e muito no sentido de pra provar para os torturadores, mesmo que fosse simbolicamente,
que o que eles tinham feito comigo não tinha me tirado a possibilidade de reproduzir e de ter uma
escolha sobre meu próprio corpo...
Joana: uhum.
Eleonora:... então eu tive mais um filho e logo que ele nasceu também de cesária eu me laqueei.
Joana: Certo.
Eleonora: então...eu tinha...eu fui presa com 24 para 25 mais ou menos...
Joana: Nossa senhora.
Eleonora:...e sai com 30.
Joana: Certo.
Eleonora:... assim, da história toda e com 30 para 31 tive o meu segundo filho e fiz a laqueadura de
trompas...
Joana: Certo.
Eleonora:... já em Belo Horizonte.
Joana: E tu continuaste com o teu marido mais tempo?
Eleonora: Não.Ai quando esse meu filho Gustavo nasceu, a menina chama Maria, eu fiquei mais um
ano...
Joana: uhum.
Eleonora:... e nós nos separamos.
Joana: uhum.
Eleonora: E... ao longo da cadeia e depois da readapta...da reabilitação (risos), da resociabilização no
mundo social nós tivemos várias crises, porque é muito difícil ser casal que vai preso junto, que sofre
tudo junto, que vê as forças e as fragilidades um do outro, e de todo um projeto que se desmoronou
continuar junto.
Joana: Imagino.
Eleonora: Muito difícil, muito difícil. Hoje eu sou muito amiga dele. Nós temos uma relação muito
boa, mas é uma relação em que eu criei os filhos.
Joana: Entendi.
Eleonora: É uma relação muito de ele aparece.
Joana: Certo. Como na maioria dos casos.
Eleonora: Na maioria, ele aparece. E os meus filhos tiveram que depois de adultos criar uma relação
com este pai que era um pai ausente no sentido da manutenção.
Joana: Certo.
Eleonora: Do prover.
Joana: E então, tu saísses da cadeia em 74.
Eleonora: Certo.
Joana: Tu tiveste algum contato com o feminismo dentro da cadeia, com leituras feministas...
Eleonora: Não.
Joana:... ou depois?
Eleonora: Não, não. Ao longo da cadeia eu tive... Durante a cadeia? Eu tive muitas reflexões com as
minhas companheiras de cadeia...
Joana: Tá.
Eleonora:... uma delas é a Dilma Roussef (atual ministra de Minas Energia)
Joana: uhum.
Eleonora:... que é Ministra das Minas e Energia, e hoje outras que são do PSDB, mas todas feministas,
se tornaram feministas...
Joana: Certo, dentro da cadeia elas estavam? 9
Eleonora: Dentro da cadeia porque nós começamos...
Joana: Fizeram uma espécie de grupo de consciência?
Eleonora: Grupo de reflexão lá dentro...
Joana: Grupo de reflexão.
Eleonora:... por que fomos nós que estamos...
Joana: uhum.
Eleonora:... que fizemos, voltaríamos a fazer sim, mas e o nosso corpo e a nossa sexualidade.
Joana: uhum.
Eleonora: Entendeu?
Joana: E antes disso tu nunca tinhas participado de uma coisa dessa, um grupo de reflexão?
Eleonora: Nunca, nunca, nunca, nunca.
Joana: E tinhas lido em algum momento antes algumas das obras?
Eleonora: Não. Nenhuma, nenhuma. Eu li pela primeira vez em 75...
Joana: Certo. Já estavas fora da cadeia um ano.
Eleonora: Porque eu já saí...é...eu já saí em 74 eu saí em outubro...
Joana: Certo.
Eleonora:... no dia 12, Dia da Criança, eu saí já bem claro que eu era feminista.
Joana: Certo.
Eleonora: E logo que eu saí da cadeia, eu em Belo Horizonte eu fui procurar um grupo de mulheres.
Joana: Esses grupos de consciência?
Eleonora: É, só que era um grupo de lésbicas...
Joana: Certo.
Eleonora:... e eu não sabia. Era um grupo de pessoas amigas minhas...
Joana: uhum.
Eleonora: e que era...era o único grupo feminista que tinha lá.
Joana: Que tinha lá. Uhum.
Eleonora: E eu de cara fui maravilhosamente bem acolhida, e eu me senti muito bem
Joana: Certo.
Eleonora: Me senti muito bem. E então eu recuperando...é...no processo de recuperação minha póscadeia...
Joana: uhum.
Eleonora: Porque eu voltei a estudar!
Joana: Ah, legal!
Eleonora: Eu parei de estudar em 68.
Joana: uhum.
Eleonora: Eu parei no quarto ano de Medicina e no quarto de Ciências Sociais.
Joana: Fosse concluir?
Eleonora: Fui, aí eu voltei pra concluir...
Joana: Certo.
Eleonora:...na UFMG, e optei por acabar Sociologia.
Joana: Sociologia.
Eleonora: Porque a Medicina estava um caos...um horror.. eu estava questionando muito e o que eu
havia passado na cadeia, me afastou mito da medicina, do cuidado, etc,......
Joana: uhum.
Eleonora:... porque durante a cadeia, eu pós-tortura eu fui...eu fiquei sem andar muitos... uns dois anos
e fui fazer...é...
Joana: Tu andavas de cadeira de roda ou de muleta?
Eleonora: De cadeira de roda e de muleta.
Joana: Nossa.
Eleonora: É. E fui... eu tratava no Hospital das Clínicas, e o Hospital das Clínicas de São Paulo estava
sob intervenção. 10
Joana: uhum.
Eleonora: E eu...eles decidiram que eu seria operada da coluna. E aí um ex-companheiro de cadeia que
tinha saído, que era médico, descobriu que eu ia ser...
Joana: Operada.
Eleonora:... operada e impediu a cirurgia.
Joana: uhum.
Eleonora: Eu já estava anestesiada.
Joana: Báhhh.
Eleonora: Porque eu não tinha hérnia de disco e eles diziam que eu tinha. Eles iam me aleijar...
Joana: Claro.
Eleonora:...e me tirou. Então isso mexeu muito comigo...
Joana: Certo.
Eleonora:... do ponto de vista de profissão...
Joana: Imagino.
Eleonora: O quê que eu vou fazer com a Medicina?
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Ai que terminei Sociologia, e quando eu fui terminar Sociologia os meus calouros de
Ciências Sociais eram os meus professores.
Joana: Ah!
Eleonora: Então foi muito legal, muito bacana, porque eles... primeiro que eles tinham o maior orgulho
de serem os meus professores...
Joana: Certo.
Eleonora:...e eu de estar lá terminando.
Joana: Sentiste entre amigos, no caso?
Eleonora: Entre amigos e tudo. E aí fiquei em Belo Horizonte, terminei, tive meu segundo filho.
Joana: uhum.
Eleonora: E não quis imediatamente me integrar a nenhum grupo de esquerda que tinha...
Joana: Tá.
Eleonora:...como eu não quis até agora.
Joana: Mas te integrasse nesse grupo...
Eleonora: De mulheres.
Joana:...de mulheres?
Eleonora: Não, aí começa a minha trajetória...
Joana: Certo.
Eleonora:...feminista.
Joana: Tu te lembras quando foi que tu foste nesse grupo?
Eleonora: Lembro, foi maio de 75. Aí eu tive...
Joana: 75. Bem no Ano Internacional da Mulher.
Eleonora: É. Aí eu tive o contato com “A Dialética do Sexo” da Sulamita Firestone.
Joana: Era isso que eu queria ouvir.
Eleonora: Me enlouqueceu!
Joana: Como foi que você leu? Você teve o livro na mão? É isso?
Eleonora: Elas me...
Joana: Elas te emprestaram?
Eleonora:... me emprestaram o livro, e eu sai louca e fui para comprar.
Joana: Foste comprar.
Eleonora: E aí elas dizem “Não, compra O Segundo Sexo também”, e eu falei “Ah, aquela bobagem?”,
assim.
Joana: Aquela bobagem?
Eleonora: É, porque perto da Sulamita é bobag...
Joana: Certo. 11
Eleonora:... naquela época. E eu era muito...eu já era muito libertária nessa sentido...
Joana: Certo.
Eleonora: ... então eu fui atrás, Minto, desculpa, um equívoco, na minha formação marxista eu li a
Alessandra Kolontai...
Joana: Certo.
Eleonora:... muito, a Juliet Mitchel...
Joana: Certo.
Eleonora:...e.... a Alessandra e a Juliet Mitchel.
Joana: Isso quando tu eras estudante?
Eleonora: Estudante e militante. Eu lia muito.
Joana: Certo. Mas não leste como uma feminista? Leste por causa do Partido.
Eleonora: Não. Li como esquerdista. Li como esquerdista. Que queria ler e achava a vida delas
fantástica.
Joana: O que tu lesse das duas?
Eleonora: A Alessandra Kolontai eu li “Minha vida” na época, da Sulamita eu li “A Revolução da
Psicanálise”, é... não, da Juliet Mitchel eu li “A Revolução da Psicanálise”, e depois eu vim ter um
contato que mexeu muito comigo, como eu criticando, mais eu não tinha muitos parâmetros para
criticar, foi é a história da família, da propriedade...
Joana: Engels.
Eleonora:... e do Engels.
Joana: Isso foi durante a tua formação de esquerda.
Eleonora: Minha formação.
Joana:... de esquerda? E aí depois...
Eleonora: É. Não, formação comunista.
Joana: Pois é, formação de esquerda, no caso.
Eleonora: De esquerda.
Joana: Quando tu entrasses neste grupo foi que tu tivesses contato com a Sulamita?
Eleonora: Sulamita.
Joana: Tá.
Eleonora: Sulamita é um marco na minha vida.
Joana: Tá bem.
Eleonora: E...
Joana: E comprasse O Segundo Sexo também?
Eleonora. Aí eu comprei O Segundo Sexo ...
Joana: E leste em seguida?
Eleonora: Li O Segundo Sexo. Fiquei muito apaixonada ...
Joana: Certo.
Eleonora:... também...
Joana: Betty Friedan Não?
Eleonora:...teve... não porque a Betty Friedan...
Joana: É 71 ela aqui no Brasil.
Eleonora: “A Mística Feminina”.
Joana: Isso.
Eleonora: Não, “A Mística Feminina” eu li em 76.
Joana: Certo. Um pouco depois, talvez?
Eleonora: Um pouco depois, quando foi traduzido.
Joana: Sim, mas foi traduzido em 71.
Eleonora: 71? Bem, eu tive acesso...
Joana: Certo. Não lembras quando?
Eleonora: Não, mas foi tudo nessa época de final de 74 até eu entrar para esse grupo...é...75...
Joana: Tu passaste a ter várias leituras. 12
Eleonora: Eu a ter várias leituras. Reli...
Joana: uhum.
Eleonora... a Alessandra. Reli a Juliet, e já fui mais generosa com elas.
Joana: Certo:
Eleonora: Do ponto de vista de mulher.
Joana: Sim, sim.
Eleonora: E eu fui nesse ni... ai já nessa época eu radicalizei meu feminismo. Eu comecei a militar.
Joana: Onde?
Eleonora: Em Belo Horizonte eu comecei a militar neste grupo.
Joana: Neste mesmo grupo?
Eleonora: É
Joana: O quê que se fazia além de discutir?
Eleonora: Nós discutíamos o corpo...
Joana: Certo.
Eleonora:... discutíamos a sexualidade, eu tive a minha primeira relação com mulher também...
Joana: uhum.
Eleonora: Quer dizer, que foi bastante precoce pra essa...e transava com homem...
Joana: Certo.
Eleonora:...pra minha trajetória.
Joana: Mesmo porque tu também estava com o teu marido eu acho, não estavas?
Eleonora: Sim, sim.
Joana: Estavas. Aham.
Eleonora: Mas nós nunca tivemos esse... e ele era um cara muito libertário. Nós nunca tivemos essa
questão de relação...
Joana: Certo.
Eleonora:... muito marginal em Belo Horizonte....
Joana: Sim. A militância em que no sentido que tu estas dando é no sentido de discussão?
Eleonora: No sentido de discussão e de priorizar a minha vida.
Joana: Certo.
Eleonora: Eu deixei de militar em organizações de esquerda...
Joana: Certo.
Eleonora:... e fui militar no feminismo...
Joana: Certo.
Eleonora:... em grupos de reflexão.
Joana: uhum.
Eleonora: Ali junto com esse grupo de mulheres feministas lésbicas.
Joana: uhum.
Eleonora: Ai esse grupo foi se ampliando...
Joana: uhum.
Eleonora:... e se desdobrando em grupos de reflexão, em grupos de criar um jornal, mesmo que fosse
um jornal de divulgação mão-a-mão, né?
Joana: E vocês chegaram a escrever isso?
Eleonora: Chegamos a escrever...
Joana: E como é que se chama esse jornal?
Eleonora: “Pensando a mulher”, era um jornalzinho de Belo Horizonte...
Joana: hum...
Eleonora: É.
Joana: Tu não tens ele?
Eleonora: Eu devo ter na minha casa.
Joana: É. 13
Eleonora: Devo ter uma cópia. Depois em 76 eu começo o processo de articulação mais nacional com
o feminismo...
Joana: Tá.
Eleonora:... via Belo Horizonte 75, 76.
Joana: De que jeito?
Eleonora: Começo com o S.O.S Mulher do...
Joana: Tu começasses a participar do S.O.S Mulher lá dentro de Belo Horizonte, é isso?
Eleonora: S.O.S. de Belo Horizonte fazendo a ponte com o S.O.S Mulher de São Paulo.
Joana: Tá.
Eleonora: Ai que eu conheço a Jacira, a Schuma...
Joana: Diga o nome completo delas, por favor?
Eleonora: Jacira Melo, Maria Aparecida Schumarer, a Teresa Verardo, um reencontro com a Iara
Prado, que era minha ex-companheira de cadeia...
Joana: Certo.
Eleonora:... que hoje é tucana, mas muito feminista com a Bete Vargas...
Joana: Certo.
Eleonora:... que é de Porto Alegre. É...com a... já estabelecendo um vínculo muito forte com a Celina
Albano em Belo Horizonte, que hoje é secretária de cultura da prefeitura. E aí nesse processo entra a
discussão do Ano Internacional da Mulher...
Joana: Certo.
Eleonora:... em 75. E aí começam os encontros feministas.
Joana: Tu participaste?
Eleonora: Participei de todos eles. O de Belo Horizonte...não...aí participei do de Valinhos que foi um
boom do ponto de vista de levantar as questões da sexualidade, o de Belo Horizonte que foi na
faculdade de Filosofia, depois o do Rio de Janeiro, e aí eu me mudo final de 77 princípio de 78, e eu
me separo, e nessa época eu trabalhava em Belo Horizonte na...num órgão do governo estadual por
ajuda... que ajuda assim que mesmo eu sem ter ainda o processo de anistia...
Joana: uhum.
Eleonora:... eu fui contratada como técnica de um órgão superintendente de planejamento urbano, o
XXX, então eu trabalhava lá. E aí no início de 78 eu já tinha me separado do meu ex-marido e resolvo
sair de Belo Horizonte. Aí quando eu saio de Belo Horizonte eu busco um lugar bem longe porque eu
não queria mais ser referência para a esquerda.
Joana: Entendi.
Eleonora: Porque é uma carga muito pesada.
Joana: Imagino.
Eleonora: Muito pesada.
Joana: Todo mundo te espia.
Eleonora: Me espia e me demanda.
Joana: E cobra.
Eleonora: Me chupa e me demanda, e eu não queria mais aquilo naquele momento. Eu queria viver a
minha individualidade, a minha sexualidade...
Joana: uhum.
Eleonora:...e eu não podia. Então eu procurei isso sou muito amiga, por incrível que pareça, a vida
inteira do Frei Beto e pedi a ele pra me encontrar um lugar o mais longe possível de Belo Horizonte.
Aí ele falou “Eu tenho dois lugares onde a Diocese é muito aberto, em Vitória com Dom Luís ou em
João Pessoa com Dom José Maria Pires. Eu falei “Eu quero João Pessoa”, quanto mais longe melhor.
Não tinha nem avião, eu fui de ônibus gastei 58 horas.
Joana: Foste com teus filhos?
Eleonora: Com os dois filhos.
Joana: Sim. 14
Eleonora: E João Pessoa foi... eu digo que João Pessoa de 78 a 84 foram anos fundamentais na minha
vida e no meu reencontro comigo mesma.
Joana: uhum.
Eleonora: Porque eu cheguei lá sem cartão de apresentação e sem...
Joana: A Frei Beto?
Eleonora: É... mas assim, eu cheguei, eu. Eu tive que construir minha vida.
Joana: uhum. Fosse trabalhar?
Eleonora: No Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba.
Joana: Tá legal.
Eleonora: E aí eu comecei a trabalhar com as mulheres rurais de Alagamar, que era o que eu queria, na
época muito pesado trabalhar com os movimentos de trabalhadoras rurais, e comecei , logo depois
retomei um grupo, a minha atividade de grupo de reflexão feminista com algumas mulheres em João
Pessoa. A maioria de fora de João Pessoa e duas de dentro...
Joana: uhum.
Eleonora:... de João Pessoa. Então nós criamos o primeiro grupo feminista lá em João Pessoa chamado
Maria Mulher.
Joana: Olha só!
Eleonora: É. Esse Maria Mulher...
Joana: Já ouvi falar.
Eleonora:... foi um grupo fortíssimo que teve desdobramento, hoje o CUNHA é um desdobramento
dele. Críamos esse grupo, esse grupo foi fortíssimo...
Joana: Também teve um jornal?
Eleonora: Não.
Joana: Não chegou a ter?
Eleonora: Esse grupo não chegou a ter. Esse grupo chegou a ter várias publicações chamadas Maria
Mulher...
Joana: É?
Eleonora: É. Esse termo de história em quadrinho...
Joana: uhum.
Eleonora: E...
Joana: Tipo divulgação?
Eleonora: É, da questão da mulher.
Joana: uhum. Divulgação da questão da mulher.
Eleonora: É. Nós trabalhávamos com a questão da violência, contra a violência contra a mulher.
Fizemos uma enorme...um enorme movimento de visibilidade contra o assassinato de uma poetisa lá
chamada Violeta formiga que foi assassinada por um cara de classe alta, seu ex-marido...
Joana: uhum.
Eleonora:... senhor do engenho rural e da alta burguesia. E nós fomos pra rua. Fomos pra “quem ama
não mata” naquela insígnia que o Brasil estava...
Joana: Estás falando da Diniz?
Eleonora: É. “Quem ama não mata” e O silêncio é cúmplice da violência, e aí começamos a nos
articular dentro do Nordeste.
Joana: Tá.
Eleonora: Era o S.O.S Mulher...o S.O.S Corpo e um grupo de reflexão que tinha em Natal...
Joana: uhum.
Eleonora:... de auto-reflexão, e o Maria Mulher o quê que nós fazíamos? Nós fazíamos auto-exame de
colo de útero, auto-exame de mama...
Joana: O que tu fez de Medicina estava ajudando?
Eleonora: Estava ajudando muito. Trabalho com violência contra a mulher e trabalho de sensibilização
e cursos de educação pra mulheres da periferia e mulheres rurais.
Joana: Vocês tinham apoio financeiro? 15
Eleonora: Nenhum.
Joana: Quer dizer, por conta própria.
Eleonora: Eram grupos de auto-ajuda. Naquela época não tinha as agências financiadoras.
Joana: Não tinha é.
Eleonora: Grupos de auto-ajuda. Com esse grupo nós colocamos o feminismo paraibano no nível
nacional, e ele foi se fortalecendo muito, esse grupo. Por causa desta militância toda... aí eu feminista,
eu tive minha casa em João Pessoa incendiada.
Joana: Nossa!
Eleonora: É.
Joana: Isso foi em que ano?
Eleonora: Foi em 81.
Joana: 81.
Eleonora: Foi durante a primeira greve de professores, eu era da ANDES e também era feminista.
Joana: A essas alturas tu já eras professora de novo?
Eleonora: Ai eu entro para a Universidade Federal da Paraíba como colaboradora 80 que existia...
Joana: Tu ainda não tinhas mestrado?
Eleonora: Não. Eu fui fazer...fiz o meu mestrado na Paraíba, em Sociologia do Trabalho...
Joana: Depois de 81?
Eleonora: É. Terminei em 82, 83...aí encontro na Paraíba a Lourdes Bandeira que já estava na Paraíba
também. E aí eu entro para a Universidade...
Joana: Certo.
Eleonora:...eu faço concurso e entro pra Universidade.
Joana: uhum.
Eleonora: Não, eu entrei pra Universidade mais cedo. Eu entrei pra Universidade em 78, eu chego em
78. E nesse momento da primeira greve com as questões feministas, a minha participação em... (toca
um celular)
Eleonora: Só um minutinho.
(Interrupção da gravação)
Joana: Tu estavas dizendo que entraste na Universidade pra dar aulas como...
Eleonora: Colaboradora.
Joana:...colaboradora em 78.
Eleonora: Em 78. E na greve de 82, que fomos todos incorporados, eu entro para o quadro permanente
da Universidade.
Joana: Ah tá.
Eleonora: Entendeu? Mas eu dava aula até naquele contrato de colaboradora 80.
Joana: uhum.
Eleonora:...que tinha nas universidades federais. Foi durante a primeira greve nacional, eu era do
comando de greve , eu estava voltando de Olinda com o Francisco Julião e quando cheguei , minha
casa havia sido destruída por uma bomba...
Joana: Certo.
Eleonora:...e voltei junto com ele. Eu dei carona pra ele, e quando eu chego a minha casa estava
incendiada.
Joana: Nossa. E foi incêndio criminoso?
Eleonora: Foi criminoso, teve processo, teve...
Joana: Nossa.
Eleonora: Foi.
Joana: Não descobriram quem era?
Eleonora: Não, mas há ainda suspeitas bem...bem claras que foi um latifúndiário.
Joana: Certo.
Eleonora: Exatamente por causa, não só do meu trabalho feminista, mas meu trabalho de mulheres
com as trabalhadoras rurais. 16
Joana: Certo.
Eleonora: E aí é que eu conheço a Margarida Alves, a Penha, que morreu com a Bete Lobo, e eu passo
a ter uma...elas passam a ter uma importância muito grande na minha vida e vice-versa.
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: E aí eu...
Joana: Fala, e daí tu fosse fazer mestrado...
Eleonora: Não, eu fiz mestrado na Paraíba.
Joana: Na Paraíba mesmo.
Eleonora: Na Paraíba mesmo.
Joana: Isso em 81, 82...
Eleonora: Eu terminei de 82 para 83.
Joana: Certo.
Eleonora: Meu mestrado foi O Feminismo:o reinventar da educação...
Joana: Certo.
Lenora:...a partir de práticas feministas.
Joana: E isso foi na Educação?
Eleonora: Não, foi na Sociologia.
Joana: Na Sociologia.
Eleonora: Na Sociologia do Trabalho.
Joana: Tá.
Eleonora: Eu fiz com um grupo de mulheres da periferia...
Joana: Tá.
Eleonora:...em João Pessoa mesmo.
Joana: Tá.
Eleonora: Depois em 84 eu venho pra São Paulo fazer doutorado na Ciência Política, já
articuladíssima...
Joana: Imagino.
Eleonora:...com o feminismo, e com linhas de pesquisa bem definidas do ponto de vista feminista.
Joana: Quem é que te orientou em São Paulo?
Eleonora: Em São Paulo foi a Maria Lúcia Montes, uma antropóloga. Embora na época ela fosse da
Ciência Política. E em 84 eu faço, entro para o doutorado com uma tese que era sobre Direitos
Reprodutivos e Direitos Sexuais a partir...é...a construção da cidadania a partir do conhecimento sobre
o próprio corpo.
Joana: Isso por conta do teu trabalho com as mulheres? Certamente, claro.
Eleonora: Por conta do meu trabalho com as mulheres em uma favela chamada Favela Beira-Rio.
Joana: Certo.
Eleonora: Lá em João Pessoa.
Joana: uhum.
Eleonora: Que hoje é um bairro. Então nesta época eu fiquei quatro anos em São Paulo fazendo a tese
e voltando a João Pessoa
Joana: Por que os meninos ficaram lá?
Eleonora: Comigo em São Paulo.
Joana: Em São Paulo.
Eleonora: Em São Paulo. E aí fui coordenadora do grupo de Mulher e Política da ANPOCS, do GT.
Joana: uhum.
Eleonora: Dois anos...dois mandatos seguidos, e voltei pra João Pessoa. Aí em São Paulo eu integrei
um grupo do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Eu a Maria José Oliveira, a Vera Soares, a
Tereza Verardo a Margareth Lopes, a Magali Marques, críamos o Coletivo Feminista Sexualidade e
Saúde, que é uma ONG, para atender as mulheres de forma diferenciada com respeito a... E nesse
período estive também pelo Coletivo fazendo um treinamento de aborto na Colômbia.
Joana: Certo. 17
Eleonora: O Coletivo nós críamos em 95...
Joana: Como é que era esse curso de aborto?
Eleonora: Era no Clínicas em Aborto...a gente aprendia a fazer aborto...
Joana: Aprendia a fazer aborto.
Eleonora: Com aspiração AMIU
Joana: Com aquele...
Eleonora: Com a sucção.
Joana: Com a sucção. Imagino. Uhum.
Eleonora: Que eu chamo de AMIU . Porque a nossa perspectiva no Coletivo, a nossa base...
Joana: Que as pessoas se auto...auto...fizessem
Eleonora: Auto-capacitassem, e que pessoas não médicas podiam...
Joana: Claro.
Eleonora:...lidar com o aborto.
Joana: Claro.
Eleonora: Então vieram duas feministas que eram clientes, usuárias do Coletivo, as quais fizeram o
primeiro auto-exame comigo. Então é uma coisa muito linda...
Joana: uhum.
Eleonora:...muito bonita, descobrirem o colo do útero e...
Joana: uhum.
Eleonora:...ter uma pessoa que segura na mão.
Joana: Certo.
Eleonora: E elas dão esses depoimentos em vários encontros. E depois em São Paulo, em... ...em 89...
Joana: Já devias ter defendido a tese a essas alturas?
Eleonora: Não, eu defendi em 90.
Joana: Defendesse em 90.
Eleonora: 90. Em dezembro de 90. Eu voltei pra Recife. Voltei pra João Pessoa e morei em Recife.
Joana: uhum.
Eleonora: Trabalhei tanto no Maria Mulher e na volta, em 90, eu pedi transferência pra Universidade
Federal de São Paulo, a então Escola Paulista de Medicina, porque meus filhos queriam ficar em São
Paulo...
Joana: Certo.
Eleonora: Eu pedi transferência....
Joana: E foi tranqüilo?
Eleonora: Não, foi difícil transferência na época do Collor.
Joana: Imagino.
Eleonora: E ai eu me...eu fui uma das que teve direito de transferência garantida porque eu vim
liberada com a seguinte questão, se o Collor ganhar a presidência, e assumir e exigir que todos
retornem, a sua transferência é será dada.
Joana: uhmm.
Eleonora: Ele exigiu, ele ganhou e exigiu e a minha transferência foi incentivada. Eu volto...eu
venho...aí nós críamos em 90 a Rede Nacional Feminista de Saúde, em Itapecerica da Serra
Joana: Certo.
Eleonora: E...dentro da Escola Paulista nós temos um núcleo.de estudos e pesquisas em saúde e
realções de gênero. Eu não tinha um Departamento de Medicina Preventiva que me acolhesse ainda, aí
eu fiz a escolha de ir para o Departamento de Enfermagem na perspectiva de contribuir com a
melhoria da qualidade de assistência das mulheres.
Joana: uhum.
Eleonora:...na ponta dos serviços. Na Escola Paulista eu tive...e nós críamos o Núcleo de Estudo em
Saúde da Mulher e Relações de Gênero, e junto com outro grupo de mulheres feministas, inclusive a
Margareth Rago, a Miriam Grossi, e a Magda Neves, nós fizemos parte de um núcleo que com um
recurso da Ford a partir de um encontro de São Paulo, da Fundação Carlos Chagas... 18
Joana: Certo.
Eleonora:...cria a REDEFEM, cria a Revista de Estudos Feministas...
Joana: Sim.
Eleonora:...e cria esse grupo que ia pensar o ensino feminista através dos núcleos de estudos.
Joana: uhum.
Eleonora: Esse grupo era composto por essas pessoas...
Joana: Sai aquele livro inclusive, “Questão de Gênero”...
Eleonora Exatamente. Exatamente.
Joana: uhum.
Eleonora: E eu continuo com duas linhas....hoje eu sou professora livre docente, do Departamento de
Medicina Preventiva com uma tese que se transformou em livro, eu fiz meu pós-doutorado em Milão,
na Itália, na Faculdade de Medicina na área de Saúde, Trabalho e Gênero.
Joana: uhum.
Eleonora: Hoje eu coordeno um diretório de pesquisa que é Saúde e Relações de Gênero no CNPq. Eu
sou pesquisadora 1B do CNPq, e toda a minha atividade de pesquisa é na área de Saúde e Relações de
Gênero, e Saúde da Mulher, com um olhar feminista.
Joana: uhum.
Eleonora: Tem um impacto disso na construção do conhecimento da saúde.
Joana: uhum.
Eleonora: E...no ativismo eu faço parte da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivo,
uma das fundadoras, e até novembro eu ocupo lugar de relatora das Nações Unidas do Direito a Saúde
no Brasil.
Joana: Certo.
Eleonora: Fui indicada pela Rede...
Joana: Certo.
Eleonora:...e selecionada curricularmente. E toda a minha produção, tanto acadêmica como o meu pé
na militância, no ativismo feminista, ele se dá via duas grandes linhas de pesquisa que é Feminismo, e
Saúde e Relações de Gênero. Dentro da Saúde e Relações de Gênero tudo o que diz respeito a Direitos
Reprodutivos e Sexuais, Saúde e Trabalho.
Joana: Certo.
Eleonora: E Violência. Hoje eu faço parte da coordenação de um dos serviços de violência que atende
mulheres vítimas de violência sexual, que é o da UNEFESP, o da Casa de Saúde, atendemos mulheres
que foram vítimas de violência sexual e fazemos o aborto nesses casos.
Joana: Certo.
Eleonora: E também hoje faço parte das Jornadas Brasileiras pela Legalização do Aborto,no grupo de
coordenadoras.
Joana: uhum, uhum. Essa é tua militância atual?
Eleonora: É minha militância atual.
Joana: Tu também fazes parte da REDEFEM eu acho.
Eleonora: Faço, faço parte da REDEFEM, exatamente.
Joana: Estás em várias frentes.
Eleonora: Sou consultora de várias.Revistas e Agências de Fomento..
Joana: Imagino.
Eleonora: Capes, CNPq, barará...barará...barará...Fundação Carlos Chagas.
Joana: uhum.
Eleonora: Agora esses últimos dois anos eu concentrei nesse trabalho de relatoria da ONU...
Joana: uhum.
Eleonora:...e onde foi fantástico porque nós definimos...isso até eu gostaria de dizer, nós definimos
como eixo estruturador dessa relatoria, são seis relatorias pra Educação, a Saúde, Água, Terra e
Alimentação, Moradia, Trabalho e Meio Ambiente...
Joana: uhum. 19
Eleonora:... e só sou eu de relatora, o resto tudo é homem. E na relatoria da saúde nós definimos como
os dois grandes eixos estruturadores dos casos paradigmáticos de violência a questão da saúde da
mulher e a saúde no trabalho. Na saúde da mulher nós visitamos vários municípios do interior de
Recife onde a morte materna é altíssima pra sair do eixo Rio, São Paulo e de Minas Gerais, e a questão
do aborto.
Joana: uhum.
Eleonora: Visitamos várias maternidades: duas grandes maternidades do Rio de Janeiro, duas
maternidades do Rio, duas de Belo Horizonte, uma de Fortaleza, onde nós tínhamos recebido notícia
que mulheres tinham morrido por aborto e as profissionais tinham sido presas. Na do Rio mais grave,
que a profissional algemou a mulher na cama e chamou a polícia.
Joana: Meu Deus!!!
Eleonora: É. Pra prender. Isso foi há seis meses. E a outra Saúde e Trabalho são questões de
contaminação e da questão de método, e essas denúncias são levadas pra ONU. Nós vamos agora para
Genebra, como fomos no ano passado. E duas dela foram para a Organização dos Estados Americanos
para responsabilizar o Estado por essas relações. O Estado brasileiro, é uma questão...a minha questão
feminista faz parte da minha vida integral.
Joana: Eu tô vendo.
Eleonora: Completamente.
Joana: Tu te lembras de mais alguma coisa? Eu acho que eu esgotei as nossas questões.
Eleonora: Eu completei?
Joana: Uhum, completaste.
Eleonora: A não ser que você tenha...
Joana: Bom, eu iria te perguntar se tu autorizas a divulgação da entrevista. Eu vou te mandar de
qualquer maneira a transcrição, se tu quiser acrescentar ou tirar alguma coisa.
Eleonora: Quero. Quero. E pra mim, uma questão que eu acho que é importante, é dizer que hoje eu
tenho 60 anos e sou avó.
Joana: uhum.
Eleonora: E eu digo que a questão feminista é tão dentro de mim, e a questão dos Direitos
Reprodutivos também, que eu sou avó de uma criança que foi gerada por inseminação artificial na mãe
lésbica.
Joana: uhum, uhum.
Eleonora: Então eu digo que sou avó da inseminação artificial...
Joana: (risos)
Eleonora:...alta tecnologia reprodutiva.E aí eu queria colocar a importância dessa discussão que o
feminismo coloca, no sentido do acesso às tecnologias reprodutivas.
Joana: Certo.
Eleonora: Entendeu? E eu diria...eu fiz dois abortos, e também digo que sou avó do aborto, também
porque por mim já passou.
Joana: Sim
Eleonora: Também já passou nesse sentido. E diria que eu sou uma mulher muito feliz e muito
realizada, e eu pauto em duas questões: na minha militância política e no feminismo.
Joana: Certo. A tua história, né?
Eleonora: Que é a minha história de vida e eu acredito que os sujeitos são construídos a partir de sua
própria história.
Joana: Claro. Tá certo.
Eleonora: Tô falando isso pra historiadora...
Joana: (risos). Tá certo. Bom, Eleonora eu te agradeço bastante, e se a gente tiver uma outra questão a
gente volta a conversar.
Eleonora: Sem dúvida. Estou a disposição.
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Greve da PM
O carnaval do governador
Domingo, 05/02/2012 20:19
Os feitos da violência na Bahia mostraram, em sua gratuidade na rua e irresponsabilidade no palácio, o mesmo espírito carnavalesco que, como sempre, há semanas invadiu Salvador por antecipação.
A quebra dos limites que levou aos saques e destruição de lojas, a outros roubos e violências, e mesmo a tantos crimes de morte, não foi causada diretamente pela greve da Polícia Militar. Veio da espontaneidade que tem o motivo único e simples de estar liberado. Para vestir o que quiser ou desvestir-se, cantar e dançar nas ruas, assaltar, encher-se de bebida ou de tóxicos, roubar e saquear, agarrarem-se uns aos outros, soltar-se para o sexo ou para o crime: o carnaval autêntico e o carnaval da violência permitidos pela mesma ausência de impedimentos.
A cota mais pesada de responsabilidade pelos distúrbios criminosos na Bahia cabe ao governador Jaques Wagner, o mais prestigiado por Dilma Rousseff. Não é imaginável que a greve da sua polícia o surpreendesse. Ainda que o fizesse, já no começo da semana estava concretizada e, portanto, evidente.
Logo se comprovava que o governador não adotou medidas preventivas. Não cuidou de sustar a eclosão da greve, não preparou o deslocamento de contingentes policiais discordantes do plano de greve, não se articulou com os comandos militares para eventualidades previsíveis, e não se coordenou com o governo federal para o auxílio da Força Nacional. Se fez alguma outra coisa útil, e de seu dever, não se sabe.
Diante disso, nem importa saber onde estava e o que fazia o governador enquanto a sua PM cuidava de deixar a capital do Estado desprovida de policiamento, como também outras áreas. A seu favor (se é), só o fato de que não esteve sozinho na omissão. Os secretários de Segurança e de Justiça, o comando da PM e várias assessorias o acompanharam na ausência de ação. Os fatos o atestam.
Efetivada a greve e iniciadas suas consequências sobre a população, o governo baiano tardou ainda dois dias, ou algumas horas menos, para adotar providências perceptíveis. Só na quinta-feira foi possível perceber algumas delas, sobretudo a pedida presença de militares nas ruas.
Greves de serviços públicos essenciais, em especial os chamados de saúde (a rigor, falta de) e os de segurança da população, sempre serão polêmicas. Não precisam, porém, ficar nesse limbo em que permanecem no Brasil. Entre direito, abuso, consequências públicas e particulares desrespeitadas pelo poder público, e outras muitas obscuridades artificiosas. Mas convenientes aos governantes e aos parlamentares, que assim escapam aos ônus eleitorais, em qualquer sentido, da posição definida.
Quando escrevo, as indicações do número de mortos continuavam contraditórias. Mais de 20, por certo. Em circunstâncias também mal definidas. Teriam ocorrido, todas, fossem diferentes a greve e o que se passou à sua volta no governo? Ora, isso não importa aos poderes públicos que têm mais o que fazer. E de preferência o que não fazer. (Jânio de Freitas/Folha de S.Paulo)
O carnaval do governador
Domingo, 05/02/2012 20:19
Os feitos da violência na Bahia mostraram, em sua gratuidade na rua e irresponsabilidade no palácio, o mesmo espírito carnavalesco que, como sempre, há semanas invadiu Salvador por antecipação.
A quebra dos limites que levou aos saques e destruição de lojas, a outros roubos e violências, e mesmo a tantos crimes de morte, não foi causada diretamente pela greve da Polícia Militar. Veio da espontaneidade que tem o motivo único e simples de estar liberado. Para vestir o que quiser ou desvestir-se, cantar e dançar nas ruas, assaltar, encher-se de bebida ou de tóxicos, roubar e saquear, agarrarem-se uns aos outros, soltar-se para o sexo ou para o crime: o carnaval autêntico e o carnaval da violência permitidos pela mesma ausência de impedimentos.
A cota mais pesada de responsabilidade pelos distúrbios criminosos na Bahia cabe ao governador Jaques Wagner, o mais prestigiado por Dilma Rousseff. Não é imaginável que a greve da sua polícia o surpreendesse. Ainda que o fizesse, já no começo da semana estava concretizada e, portanto, evidente.
Logo se comprovava que o governador não adotou medidas preventivas. Não cuidou de sustar a eclosão da greve, não preparou o deslocamento de contingentes policiais discordantes do plano de greve, não se articulou com os comandos militares para eventualidades previsíveis, e não se coordenou com o governo federal para o auxílio da Força Nacional. Se fez alguma outra coisa útil, e de seu dever, não se sabe.
Diante disso, nem importa saber onde estava e o que fazia o governador enquanto a sua PM cuidava de deixar a capital do Estado desprovida de policiamento, como também outras áreas. A seu favor (se é), só o fato de que não esteve sozinho na omissão. Os secretários de Segurança e de Justiça, o comando da PM e várias assessorias o acompanharam na ausência de ação. Os fatos o atestam.
Efetivada a greve e iniciadas suas consequências sobre a população, o governo baiano tardou ainda dois dias, ou algumas horas menos, para adotar providências perceptíveis. Só na quinta-feira foi possível perceber algumas delas, sobretudo a pedida presença de militares nas ruas.
Greves de serviços públicos essenciais, em especial os chamados de saúde (a rigor, falta de) e os de segurança da população, sempre serão polêmicas. Não precisam, porém, ficar nesse limbo em que permanecem no Brasil. Entre direito, abuso, consequências públicas e particulares desrespeitadas pelo poder público, e outras muitas obscuridades artificiosas. Mas convenientes aos governantes e aos parlamentares, que assim escapam aos ônus eleitorais, em qualquer sentido, da posição definida.
Quando escrevo, as indicações do número de mortos continuavam contraditórias. Mais de 20, por certo. Em circunstâncias também mal definidas. Teriam ocorrido, todas, fossem diferentes a greve e o que se passou à sua volta no governo? Ora, isso não importa aos poderes públicos que têm mais o que fazer. E de preferência o que não fazer. (Jânio de Freitas/Folha de S.Paulo)
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
DEZ TIROS EM CHE GUEVARA
7/10/2005
Alvaro Vargas Llosa
Investor’s Business Daily
Los simpatizantes del Che Guevara conmemoran un aniversario más del fallecimiento del revolucionario, que tuvo lugar hace treinta y ocho años en la quebrada del Yuro, en Bolivia. Es un momento apropiado para abordar diez mitos que mantienen vivo el culto de Guevara.
La última vez que visité el Museo de Arte Moderno en Nueva York, un estudiante estadounidense que lucía una camiseta del Che Guevara y una boina llamó mi atención (la casualidad de que Nicole Kidman ingresaba al recinto en ese mismo instante acaso tuvo algo que ver con que me percatara de él). Le pregunté amablemente qué era exactamente lo que él admiraba tanto acerca de ese hombre. He aquí las diez razones que mencionó—y mis respuestas.
1. ESTABA EN CONTRA DEL CAPITALISMO. En realidad, Guevara era partidario del capitalismo de estado. Se oponía al sistema salarial denunciado en la jerga marxista como la “apropiación de la plusvalía” solamente cuando se trataba de empresas privadas. Pero convirtió la “apropiación de la plusvalía de los trabajadores” en todo un sistema estatal. Un ejemplo de esto son los campamentos de trabajo forzado que apoyó, comenzando con el de Guanahacabibes en el año 1961.
2. HIZO A CUBA INDEPENDIENTE. En realidad, maquinó la colonización de Cuba por parte de un poder extranjero. Contribuyó a convertir a Cuba en una cabecera de playa temporal del poder soviético (selló el trato en Yalta). Como responsable de la “industrialización” de Cuba, fracasó en el objetivo de ponerle fin a la dependencia del país con relación al azúcar.
3. ABOGO POR LA JUSTICIA SOCIAL. En realidad, ayudó a arruinar la economía al distraer los recursos hacia industrias que terminaron en el fracaso y redujo a la mitad la cosecha de azúcar, el soporte de Cuba, en el término de dos años. El racionamiento comenzó bajo su administración de la economía isleña.
4. SE ENFRENTO A MOSCU. En realidad, obedeció a Moscú hasta que Moscú decidió pedirle algo a cambio de sus masivas transferencias de dinero a la Havana. En 1965, criticó al Kremlin porque había adoptado lo que él denominaba la “ley del valor”. Luego viró hacia China en vísperas de la Revolución Cultural, una de las historias de terror del siglo veinte. Simplemente cambió de lealtades dentro del campo totalitario.
5. SE CONECTO CON LOS CAMPESINOS. En verdad, murió precisamente debido a que no pudo “conectarse” con ellos. "Las masas campesinas no nos ayudan en absoluto", escribió en su diario boliviano antes de ser capturado—un modo apropiado de describir su viaje a través de la campiña boliviana tratando de provocar una revolución que ni siquiera consiguió obtener la ayuda de los comunistas bolivianos (ellos eran lo suficientemente realistas como para darse cuenta de que los campesinos no deseaban una revolución en 1967; ya habían tenido una en 1952).
6. FUE UN GENIO GUERRILLERO. En realidad, con la excepción de Cuba, todo esfuerzo guerrillero que ayudó a instaurar fracasó penosamente. Tras el triunfo de la revolución cubana, Guevara estableció ejércitos revolucionarios en Nicaragua, la República Dominicana, Panamá, y Haití, todos los cuales fueron aplastados. Más tarde persuadió a Jorge Ricardo Masetti de que condujese una incursión fatal en la Argentina desde Bolivia. El papel de Guevara en el Congo en 1965 fue tragicómico. Se alió con Pierre Mulele y Laurent Kabila, dos carniceros, pero se vio envuelto en tantas desavenencias con el segundo—y las relaciones entre los combatientes cubanos y los congoleños fueron tan tensas—que tuvo que escapar. Finalmente, su incursión en Bolivia culminó en su deceso (que sus seguidores están conmemorando este domingo 9 de octubre).
7. RESPETO LA DIGNIDAD HUMANA. En realidad, tenía el hábito de apoderarse de la propiedad ajena. Ordenaba a sus seguidores que asaltasen bancos (“las masas que luchan están de acuerdo con asaltar los bancos porque ninguno de ellos tiene un centavo en los mismos”) y, tan pronto como el régimen de Batista colapsó, ocupó una mansión y se apropió de ella—un caso de expeditivo de expropiación con fines públicos de estirpe revolucionaria (sin justiprecio).
8. SUS AVENTURAS ERAN UNA CELEBRACIÓN DE LA VIDA. Más bien, fueron una orgía de muerte. Ejecutó a muchas personas inocentes en Santa Clara, en el centro de Cuba, donde operó su columna durante la última etapa de la lucha armada. Después del triunfo de la revolución, estuvo al mando de prisión de “La Cabaña” por medio año. Allí ordenó la ejecución de cientos de prisioneros—ex hombres de Batista, periodistas, empresarios, y otros. Unos pocos testigos, incluidos Javier Arzuaga, quien era el capellán de “La Cabaña”, y José Vilasuso, quien pertenecía al grupo encargado del proceso judicial sumario, me brindaron recientemente sus dolorosos testimonios.
9. ERA UN VISIONARIO. Su visión de América Latina era en realidad bastante borrosa. Consideremos, por ejemplo, su opinión de que los guerrilleros debían operar desde el campo porque allí era donde vivían las masas luchadoras. En realidad, desde los años 60 la mayoría de los campesinos han abandonado pacíficamente el campo, en parte debido al fracaso de la reforma agraria, la cual ha obstaculizado el desarrollo de una agricultura basada en la propiedad y de las economías de escala con reglamentos absurdos que prohíben toda clase de convenios privados.
10. ESTABA EN LO CIERTO RESPECTO DE LOS ESTADOS UNIDOS. Predijo que Cuba superaría el PBI per cápita de los Estados Unidos para el año 1980. Hoy día, la economía de Cuba apenas puede sobrevivir gracias al subsidio petrolero de Venezuela (cerca de 100.000 barriles diarios), una forma de limosna internacional que no habla demasiado bien de la dignidad del régimen.
Alvaro Vargas Llosa es Académico Asociado Senior del Centro Para la Prosperidad Global en The Independent Institute y editor de Lessons from the Poor.
7/10/2005
Alvaro Vargas Llosa
Investor’s Business Daily
Los simpatizantes del Che Guevara conmemoran un aniversario más del fallecimiento del revolucionario, que tuvo lugar hace treinta y ocho años en la quebrada del Yuro, en Bolivia. Es un momento apropiado para abordar diez mitos que mantienen vivo el culto de Guevara.
La última vez que visité el Museo de Arte Moderno en Nueva York, un estudiante estadounidense que lucía una camiseta del Che Guevara y una boina llamó mi atención (la casualidad de que Nicole Kidman ingresaba al recinto en ese mismo instante acaso tuvo algo que ver con que me percatara de él). Le pregunté amablemente qué era exactamente lo que él admiraba tanto acerca de ese hombre. He aquí las diez razones que mencionó—y mis respuestas.
1. ESTABA EN CONTRA DEL CAPITALISMO. En realidad, Guevara era partidario del capitalismo de estado. Se oponía al sistema salarial denunciado en la jerga marxista como la “apropiación de la plusvalía” solamente cuando se trataba de empresas privadas. Pero convirtió la “apropiación de la plusvalía de los trabajadores” en todo un sistema estatal. Un ejemplo de esto son los campamentos de trabajo forzado que apoyó, comenzando con el de Guanahacabibes en el año 1961.
2. HIZO A CUBA INDEPENDIENTE. En realidad, maquinó la colonización de Cuba por parte de un poder extranjero. Contribuyó a convertir a Cuba en una cabecera de playa temporal del poder soviético (selló el trato en Yalta). Como responsable de la “industrialización” de Cuba, fracasó en el objetivo de ponerle fin a la dependencia del país con relación al azúcar.
3. ABOGO POR LA JUSTICIA SOCIAL. En realidad, ayudó a arruinar la economía al distraer los recursos hacia industrias que terminaron en el fracaso y redujo a la mitad la cosecha de azúcar, el soporte de Cuba, en el término de dos años. El racionamiento comenzó bajo su administración de la economía isleña.
4. SE ENFRENTO A MOSCU. En realidad, obedeció a Moscú hasta que Moscú decidió pedirle algo a cambio de sus masivas transferencias de dinero a la Havana. En 1965, criticó al Kremlin porque había adoptado lo que él denominaba la “ley del valor”. Luego viró hacia China en vísperas de la Revolución Cultural, una de las historias de terror del siglo veinte. Simplemente cambió de lealtades dentro del campo totalitario.
5. SE CONECTO CON LOS CAMPESINOS. En verdad, murió precisamente debido a que no pudo “conectarse” con ellos. "Las masas campesinas no nos ayudan en absoluto", escribió en su diario boliviano antes de ser capturado—un modo apropiado de describir su viaje a través de la campiña boliviana tratando de provocar una revolución que ni siquiera consiguió obtener la ayuda de los comunistas bolivianos (ellos eran lo suficientemente realistas como para darse cuenta de que los campesinos no deseaban una revolución en 1967; ya habían tenido una en 1952).
6. FUE UN GENIO GUERRILLERO. En realidad, con la excepción de Cuba, todo esfuerzo guerrillero que ayudó a instaurar fracasó penosamente. Tras el triunfo de la revolución cubana, Guevara estableció ejércitos revolucionarios en Nicaragua, la República Dominicana, Panamá, y Haití, todos los cuales fueron aplastados. Más tarde persuadió a Jorge Ricardo Masetti de que condujese una incursión fatal en la Argentina desde Bolivia. El papel de Guevara en el Congo en 1965 fue tragicómico. Se alió con Pierre Mulele y Laurent Kabila, dos carniceros, pero se vio envuelto en tantas desavenencias con el segundo—y las relaciones entre los combatientes cubanos y los congoleños fueron tan tensas—que tuvo que escapar. Finalmente, su incursión en Bolivia culminó en su deceso (que sus seguidores están conmemorando este domingo 9 de octubre).
7. RESPETO LA DIGNIDAD HUMANA. En realidad, tenía el hábito de apoderarse de la propiedad ajena. Ordenaba a sus seguidores que asaltasen bancos (“las masas que luchan están de acuerdo con asaltar los bancos porque ninguno de ellos tiene un centavo en los mismos”) y, tan pronto como el régimen de Batista colapsó, ocupó una mansión y se apropió de ella—un caso de expeditivo de expropiación con fines públicos de estirpe revolucionaria (sin justiprecio).
8. SUS AVENTURAS ERAN UNA CELEBRACIÓN DE LA VIDA. Más bien, fueron una orgía de muerte. Ejecutó a muchas personas inocentes en Santa Clara, en el centro de Cuba, donde operó su columna durante la última etapa de la lucha armada. Después del triunfo de la revolución, estuvo al mando de prisión de “La Cabaña” por medio año. Allí ordenó la ejecución de cientos de prisioneros—ex hombres de Batista, periodistas, empresarios, y otros. Unos pocos testigos, incluidos Javier Arzuaga, quien era el capellán de “La Cabaña”, y José Vilasuso, quien pertenecía al grupo encargado del proceso judicial sumario, me brindaron recientemente sus dolorosos testimonios.
9. ERA UN VISIONARIO. Su visión de América Latina era en realidad bastante borrosa. Consideremos, por ejemplo, su opinión de que los guerrilleros debían operar desde el campo porque allí era donde vivían las masas luchadoras. En realidad, desde los años 60 la mayoría de los campesinos han abandonado pacíficamente el campo, en parte debido al fracaso de la reforma agraria, la cual ha obstaculizado el desarrollo de una agricultura basada en la propiedad y de las economías de escala con reglamentos absurdos que prohíben toda clase de convenios privados.
10. ESTABA EN LO CIERTO RESPECTO DE LOS ESTADOS UNIDOS. Predijo que Cuba superaría el PBI per cápita de los Estados Unidos para el año 1980. Hoy día, la economía de Cuba apenas puede sobrevivir gracias al subsidio petrolero de Venezuela (cerca de 100.000 barriles diarios), una forma de limosna internacional que no habla demasiado bien de la dignidad del régimen.
Alvaro Vargas Llosa es Académico Asociado Senior del Centro Para la Prosperidad Global en The Independent Institute y editor de Lessons from the Poor.
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